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06/02/2018

[Report] Metallica: Worldwired Tour em Lisboa (com vídeos)

(c) Brett Murray & Jeff Yeager / Metallica
À décima primeira passagem por Lisboa (11º concerto), os Metallica surpreenderam ao descerem do topo do olimpo rumo ao modesto primeiro andar (a contar vindo do céu) num humilde e inesperado tributo que perdurará na história da música do nosso país.

O Altice Arena encheu mais uma vez para receber os Metallica, passados quase seis anos desde que tocaram o "Black Album" na íntegra, no parque da Bela Vista, em 2012. 
Pôs-se termino ao maior intervalo entre passagens pelo nosso país e o regresso foi em grande, como seria de se esperar da banda mais mediática da história do metal.

Os fãs mais atentos sabem que a tradicional "Long Way To The Top (If You Wanna Rock N Roll)" serve de contagem regressiva para a lendária introdução Morriconiana ("Ecstasy of Gold"). Assim foi.
Tinham já passado alguns minutos das 21h:30, hora apontada pela organização, quando aquelas sublimes notas, dignas da mais heróica epopeia, foram entoadas ao estilo sul-americano.

Apesar do tempo de espera, o bonito convívio multi-gerações e de diversas nacionalidades sobrepôs-se a qualquer tipo de ânsia nervosa.
A preocupação em manter espaços mais amplos em muito ajudou a esta realidade, incomparável a qualquer outra passagem da banda por Portugal.
A circulação na plateia esteve positivamente distante do que se verificou nos dois concertos de 2010, no mesmo recinto.
Com o mesmo contexto de palco 360°, terão sido disponibilizados menos bilhetes? Se assim foi, há que afirmar a mais valia para quem pôde usufruir do calor humano sem chegar a uma desconfortável sensação de claustrofobia como nos exemplos anteriores.
(c) Brett Murray & Jeff Yeager / Metallica
"Hardwired" serviu de tiro de partida num tom thrash bem deles, dos rapazes que partiram de San Francisco para o mundo na já distante década de 80.
O opener, que foi bebido e inspirado pelo velhinho Kill 'Em All, foi cantado pelos milhares de presentes, comprovando ser um dos temas prediletos deste álbum que voltou a bater records de vendas.

Cedo se constatou o que já se previa com a banda de abertura: a estratégia para combater o défice acústico da agora chamada Altice Arena passou pelo estrangulamento do som, limitando o nível de decibéis que ficaram ligeiramente aquém daquela "pujança" que se espera de um espetáculo desta dimensão.

Apesar de alguns ligeiros apontamentos técnicos que pontualmente falharam, e uma ou outra falha por parte dos elementos em palco, nada fora realmente penoso como possivelmente teria sido com um aumento do volume. O tal que agradavelmente nos faria sentir os graves no estômago mas que provavelmente também nos teria ferido a audição.

(c) Brett Murray & Jeff Yeager / Metallica
 "Atlas, Rise!" deu seguimento lógico ao foco das atenções desta passagem dos "four horseman". Das guitarras saíram carris aos coros da multidão que fervorosamente acompanhou as melodias.
O novo álbum foi revisto várias vezes ao longo da setlist e o primeiro pico da noite sucedeu o habitual discurso "vamos tocar músicas novas e musicas antigas..". 
As "catch phrases" são já parte integrante das suas produções e não faltaram os famosos "Yeahhs" de James Hetfield.

"Seek'n'Destroy", a música da despedida desde os tempos da entrada de Rob Trujillo (e o "comeback" dos Metallica em 2004 no Rock in Rio) foi usada como o primeiro trunfo da noite.
O riff histórico, que segue o baterista e o frontman desde sempre, voltou a não faltar, sem surpresa, mas a sua posição na setlist não o deixou de ser.


As primeiras "brincadeiras" na plateia quebraram um protocolo imposto pela organização que, em boa verdade, apenas se resguardava de responsabilidades pois dificilmente dissuadiriam uma das práticas mais tradicionais do imaginário da música pesada.
Um mosh saudável e sem a intensidade de 93, dificilmente comparado às passagens de dois dos outros Big Four no ano passado.

Do primeiro álbum não voltaram a tocar mais nenhum tema mas por diversas vezes se picou o ponto nos restantes quatro álbuns históricos que marcaram a discografia até meados dos anos 90.
De ...And Justice for All escolheram o mid-pace de "Harvester of Sorrow" cujo o peso se fez sentir no irresistível headbang
Já do super influente Master of Puppets saiu a power ballad do ano dourado do thrash metal: "Welcome Home (Sanitarium)" foi um dos picos da noite para os fãs old-school, muitos com duas mãos cheias de concertos da banda.

De volta a Hardwired to Self-Destruct, "Now That We're Dead" juntou o quarteto num momento de percursão à la Sepultura mas sem grande acréscimo de valor ao tema em si. Terá sido a forma de Lars ter escapado a um solo de bateria?


Já "Dream no More" parece ter alcançado melhores resultados. Todo aquele downpicking evoca o peso stoner de uns Alice In Chains e ao vivo não perdeu essa capacidade.

Com a maturidade que se lhes reconhece, não optaram por lançar "Halo on Fire" sem antes proporcionarem outro vibrante sing along com "For Whom the Bell Tolls". 

Por esta altura já se sentia uma certa ânsia pelos temas mais old-school thrash e quando pensávamos que a única forma de revitalizar por completo seria um clássico de pé no acelerador a dupla Rob/Kirk surpreendeu todo um país.
(c) Brett Murray & Jeff Yeager / Metallica

"Esta é para o Zé Pedro". A melodia que saiu do baixo de Trujillo está enraizada no DNA português de uma forma que mesmo ele não teria noção. 

A ele juntou-se o pupilo de Satriani a replicar Cabeleira e a saber jogar com o sentimento mais português de todos: a saudade.
Os largos milhares de forma espontânea deram a voz naquela que fora a primeira vez que se inverteram os papéis pois o palco, por breves momentos, fez-se nas plateias e nas bancadas. Um claro e desmedido orgulho em poder mostrar algo que é nosso. De mostrar de forma apaixonada e sentida um pouco do que é ser português. Um momento a reter para sempre. 
"A Minha Casinha" é uma musica de Milu mas um hino dos Xutos & Pontapés. Um hino do rock nacional. Um hino que fez com que o Zé Pedro ligasse o amplificador e se juntasse à festa. 
"O meu bilhete está pago."- ouviu-se pela plateia, despido de sarcasmo.
Tantos anos que se fez ouvir "toca xutos"... não precisamos de frisar a ironia.



Os tributos não se ficaram por aqui: o eterno Cliff Burton fora também relembrado não só nas imagens visíveis nas dezenas de cubos, que marcaram a produção deste concerto, como na breve passagem por "Anesthesia (Pulling Teeth)".

Não faltou a tradicional cover (e das boas) nos slots disponíveis da setlist: "Am I Evil?" trouxe toda a influência NWOBHM dos Diamond Head dando uma lição de história às gerações mais novas que certamente, como as gerações a que antecederam, têm em Metallica uma porta de entrada para a música pesada.

"Creeping Death" alcançou um dos picos de adrenalina da noite e a gingona "Moth Into Flame" sublinhou a importância da comunidade de fãs, que sempre lhes acompanharam, na forma como gerem a sua relação com a fama (anunciada como uma droga numa já conhecida referencia a Amy Winehouse).
Por esta altura, a juntar aos 50 cubos suspensos no tecto, surgiram vários drones no ar dando uma componente visual à expressão que dá nome ao tema.

Sem surpresa a inevitável "Sad But True" deu início a uma recta final a que se juntou, para gáudio da multidão, uma sempre arrepiante "One" com direito ao habitual jogo de pirotecnia (mais contida que noutras passagens), e cujo tour-vídeo oficial foi há momentos divulgado:

"Master of Puppets" mais uma vez alcançou, enquanto tema rápido, as melhores reações. O tema homónimo do álbum de 1986 continua a reclamar para si o campeonato dos melhores álbuns/temas da história da música pesada e fá-lo pleno de razão.
A loucura instaurada apenas se deixa cessar pelo belíssimo solo de Kirk Hammet
(c) Brett Murray & Jeff Yeager / Metallica
Já no encore, a banda proporcionou uma última passagem pelo décimo  álbum de originais com uma fan-favorite "Spit Out The Bone" a fervilhar.

Na despedida prevaleceu a acessibilidade de "Nothing Else Matters" e "Enter Sandman" que, independentemente de gostos pessoais, não deixa de ser compreensível. 
A balada que os fez chegar aos ouvidos de mundo e meio foi mais uma vez cantada em uníssono e nem a sua melancolia anestesiou a plateia no momento de propor partida para a "terra do nunca".

No momento do adeus a banda demonstrou-se entusiasmada e agradecida perante o público português que na óptica do carismático Lars Ulrich se demonstra cada vez melhor no momento de os receber.
O tiro de partida da tour europeia dos Metallica fechou com saldo positivo, sem primar pelo peso e velocidade como noutras passagens. 
Os críticos de Hardwire to Self-Destruct, que possivelmente serão em grande escala os mesmos de Death Magnetic, comprovaram ao vivo um álbum com pouco do metal que invoque o glorioso passado. 

No entanto aqueles que recebem de braços abertos a vertente heavy rock dos outrora thrashers terão visto um dos melhores espetáculos da banda no nosso país. 

Uma carreira na escala de décadas e musicalmente díspar dificulta uma opinião unânime mas como podemos apontar o dedo a uma actuação super-profissional e realista (negligenciando por completo todos os álbuns menos conseguidos)? 
Mais do que concertos, os Metallica montam espetaculos e voltaram a proporcionar um de grande categoria. Como só eles sabem.

A aquecer as hostes estiveram os noruegueses Kvelertak que apesar de, com mérito, fazerem furor perante a crítica sofreram do inevitável síndrome de banda de abertura. O mesmo que penalizou High on Fire e Volbeat da última vez.
Esperemos que a banda não leve a peito e que se repita a experiência porque muitos dos seus fãs não estiveram presentes.
De aplaudir a forma como, apesar de tudo, conduziram o seu curto espaço de tempo em palco perante um público que em certa parte estranhou o tom mais aguerrido da sua sonoridade.

Texto: Tiago Queirós
Videos: SFTD Radio, com excepção de "A minha Casinha"do canal LegoTechnicMotorcycles LTM,  e "Sad But True", lançado esta segunda feira pela banda.
Fotos: (c) Brett Murray & Jeff Yeager / Metallica (não sendo esta uma report oficial, não tivemos fotógrafo presente)

Metallica Setlist Altice Arena, Lisbon, Portugal 2018, WorldWired Tour

*Halo on Fire (followed by Kirk  and Rob's solos incl. 'A Minha Casinha' and '(Anesthesia) Pulling Teeth')

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