O RCA Club, em Lisboa, acolheu, no passado fim de semana, 12 e 13 de
fevereiro, mais um Under the Doom,
este ano enriquecido com a presença dos irlandeses Primordial e dos ingleses Esoteric,
a encabeçar o cartaz. A Notredame
Productions foi a responsável por mais um excelente festival, com um total
de 10 bandas a protagonizarem momentos arrepiantes de bom doom, nas suas variadas influências e sub-géneros.
O alinhamento da sexta-feira, dia
12, resistiu ao jogo Benfica – Porto e registou a maior afluência dos dois dias,
mesmo com os concertos a iniciarem às 21h. O RCA Club foi enchendo a casa, ao longo da noite, de público ansioso
para ver e ouvir (por ordem de atuação) NEVOA,
FOSCOR, Painted Black e Primordial.
Os NEVOA iniciaram o festival, apresentando ao público lisboeta o seu
projeto, ainda recente, nascido no Porto em 2014, mas que já conta com o álbum
“The Absence of Void”, lançado no ano passado. Percebemos por que têm recebido
críticas positivas por parte da imprensa especializada, pois rapidamente
sentimos a assistência (que já era considerável) envolta no ambiente tenebroso
criado pela banda. Em cada nota rasgada da voz de Nuno Craveiro, sente-se domínio sobre o público. Os temas de The Absence of Void calam a mente de
quem ouve e produzem o cenário que observámos do primeiro andar do RCA Club (e que veríamos mais vezes, ao
longo do festival): meia hora de público “colado” ao chão, rendido ao som black/doom dos portuenses. Ficou, assim,
ligado o motor de arranque do festival.
Foi com grande satisfação que
revimos os catalães FOSCOR, que nos
visitaram no ano passado, acompanhando os britânicos Vallenfyre. Continuam a
presentear-nos com os temas do seu último álbum Those Horrors Wither (2014), iniciando com Senescencia, em catalão. Desta vez, sentimos um público menos
estranho à sonoridade invulgar desta banda que
mantém o público refém das variações rítmicas e das alternâncias entre o
registo gutural e limpo da voz de J.F.
Fiar. Aliás, J.F. Fiar continua
a desconcertar-nos com a sua voz e a lançar sobre o público o seu olhar
aterrador, nos momentos de maior intensidade. Muito comunicativo, ainda ouviu o
público protestar, quando anunciou o último tema. Destacamos a interpretação
fortíssima do single Graceful Pandora e
os aplausos entusiastas do público em mais um excelente concerto destes
catalães, que celebram, este ano, o seu 15º aniversário.
Sempre
que assistimos a um concerto dos Painted
Black, perguntamo-nos por que não os vemos mais vezes. Soube-nos muito bem ouvir
novamente temas de Cold Comfort
(2010), com a sala já quase cheia, o que desencadeou grande motivação na banda,
visível na comunicação com o público e nas movimentações em palco. Continuam a
contar com a colaboração de Micaela
Cardoso, mais uma vez presente na interpretação de Via Dolorosa, tal como na gravação do álbum. E nós continuamos a aguardar o lançamento do novo trabalho, que
incluirá o tema Dead Time, com que
também fomos presenteados nesta noite. Como sempre, foi um concerto intenso, no
qual existe tempo e espaço para apreciar todos os elementos: cada instrumento e
voz brilham per se. Torna-se difícil
tirar notas, pelo que preferimos guardar no ouvido e memória o som arrepiante
das cordas da guitarra de Luís
Fazendeiro e a interpretação de Inevitability,
tema pelo qual ansiamos sempre.

SEGUNDO DIA


Seguiu-se
uma agradável surpresa chamada Carma. A
banda de Coimbra editou, no ano passado, o seu primeiro álbum (Carma, 2015) e tem vindo a empreender um
trabalho de exploração das vertentes funeral
doom e black metal em português.
Ao vivo, tem a preocupação de criar o ambiente que pretende, colocando velas ao
longo do palco e preparando o público para o que vai assistir. Já contávamos
com a batida fúnebre e os guturais mas foi, na verdade, o aspeto melódico o que
mais nos surpreendeu e agradou. As composições não aborrecem e envolvem
facilmente o público com as suas pausas carregadas de melancolia e tristeza,
contrabalançadas por excelentes momentos melódicos, protagonizados pelas
guitarras. O álbum Carma, que apresentaram
na íntegra, merece ser ouvido com outra atenção, em casa.

Seguiram-se os espanhóis Orthodox, um duo de Sevilha, composto
por baterista e vocalista/baixista. Apresentaram o seu projeto de doom experimental, inspirado no folclore
religioso e no jazz, tendo lançado
recentemente Axis (2015), o seu
quinto álbum. A sonoridade,
diferente, com um ritmo que parece incerto e aleatório, causou estranheza
inicial mas depressa convenceu o público graças à perícia nos dois
instrumentos, especialmente no baixo. Pareceu-nos, no entanto, que a voz carece
de força e que tem dificuldade em sobressair como mais um instrumento da banda.
Ainda assim, surpreenderam o público e foram bastante aplaudidos.

Foi mais um Under the Doom que terminou com balanço muito positivo. A Notredame Productions está, mais uma
vez, de parabéns por promover um festival deste género que beneficiou, também, das
excelentes condições oferecidas pelo RCA
Club. Até para o ano. \m/
Agradecimentos: Notredame Productions (Carlos Freitas) e à Arte Sonora e Joana Cardoso Photography, pela cedência das fotos acima. Todas as fotos aqui: Galeria 1º Dia | Galeria 2º Dia