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07/02/2017

[Report] XX anos de Irreligious: Moonspell no Campo Pequeno

Não era noite de lua cheia mas uma basta alcateia reunia-se junto às muralhas do Campo Pequeno em Lisboa. Sobe o manto negro da noite, para lá do toque gélido da chuva, a fina luz do luar rompia indelével capturando no seu feitiço todas aquelas almas soturnas, um feitiço que há mais de duas décadas se entranha nas hostes metaleiras nacionais, que conhecia mais um momento de celebração e uma oportunidade de fazer historia, um apelo quase impossível de resistir a qualquer fã dos Moonspell.

A viagem já vai longa, muitas batalhas se travaram, muito se fez pelos fãs e pela banda, para que chegados a 2017 estejamos perante uma banda de metal português a encher o Campo Pequeno, a gravar um DVD nesse mesmo lugar, a merecer alguma visibilidade dos media mais mainstream

Pouco mais de vinte anos antes, uma editora alemã, lançava o segundo álbum (esquecemo-nos intencionalmente do miniálbum Under The Moonspell) de uma banda portuguesa que apenas um ano antes tinha despertado a Europa para o seu nome com “Wolfheart”. “Irreligious” seria mais um passo solido em direcção ao sucesso, 80.000 discos vendidos na Alemanha, disco de prata em Portugal, um som original que destacava os Moonspell de outros nomes que surgiam e que lhes garantiu um espaço seu que fizeram crescer, que fizemos nós os fãs crescer.

Imortalidade, viver como um forma de vida física ou espiritual durante um comprimento infinito ou inconcebívelmente vasto de tempo, era o que se prometia para a noite de 4 de fevereiro. Três horas de concerto, três álbuns tocados na íntegra, e a gravação de um DVD que perpetuasse esses momentos para além da memória.

Casa muito bem composta para receber os Moonspell, apenas nas bancadas ficaram alguns lugares por preencher, a plateia encontrava-se muito bem preenchida, com fãs de várias gerações. No ar pairava uma atmosfera de ansiedade que o ligeiro atraso com que começaram só aguçou ainda mais.

À intro responderam os presentes com uivos, aplausos e gritos ansiosos por Moonspell, os lobos iam surgindo no palco um a um e os corpos iam reagindo instintivamente aos acordes de ‘Wolfshade (A Werewolf Masquerade)’. Como macho alfa Fernando Ribeiro conduzia a alcateia que respondia sem hesitações aos seus apelos. Em palco a mais internacional banda de metal nacional demonstrava-se muito afinada, cada nota tocada por Ricardo Amorim no solo transportava êxtase e memória, emoção e entrega mútua. ‘Wolfshade’ chegou ao final e ficava a garantia que seria uma atuação memorável.

Com um trabalho cénico bem executado em palco e um público digno da gravação de um DVD, prosseguiram com o nostálgico alinhamento do “Wolfheart“ (na versão original censurada na época pela editora em que Ataegina surgia depois de Trebaruna), com ‘Love Crimes’, contando com o belo apoio das Crystal Mountain Singers nos backing vocals. O álbum amadureceu na voz de Fernando Ribeiro como o vinho do Porto, era com deleite que o público degustava o nostálgico cálice que lhes era oferecido. ‘...of Dream and Drama (Midnight Ride)’ presenteou-nos com um duelo de teclas e cordas entre Pedro Paixão e Ricardo Amorim
‘Lua d'Inverno’ permitiu recuperar o fôlego antes de celebramos os deuses Lusitanos e a nossa cultura Lusitana com ‘Trebaruna’ e ‘Ataegina’ permitindo um pequeno bailarico entre alguns dos presentes, mais pequeno do que era previsível, dançando e cantando alegremente. 

Numa atuação previsivelmente longa, os temas desfilavam sem grande espaço para comunicação verbal, assim sendo, foi sem demoras que o vocalista surgia em versão vampiro para espalhar veneno enquanto respirava, ‘Vampiria’ hipnotizava a plateia com a sua linha de baixo, controlando os corpos em movimentos que poderiam ter surgido de uma qualquer cena de Akasha em Queen of The Damned.

Já se havia sonhado com lobisomens, deuses lusitanos e vampiros, era tempo de sonharmos com eróticos alquimistas, em mais uma excelente execução de ‘An Erotic Alchemy’. Para fechar o primeiro álbum, a sempre especial ‘Alma Mater’, cantada em plenos pulmões por todos.
“Wolfheart” terminado sobe aplausos, tempo para alteração cénica em palco, como se outro concerto distinto fosse ter inicio, tempo preenchido com a atuação dos Cornalusa, recebidos com alguma supresa mas com boas reações.

“Irreligious” inicia-se pela intro ‘Perverse... Almost Religious’ merecendo reações semelhantes às obtidas por Wolfheart. ‘Opium’ faz explodir a plateia de energia com vozes bem audíveis na plateia e pirotecnia em palco. Vozes que com mais ou menos intensidade se continuaram a ouvir ao longo de ‘Awake’, ‘For a Taste of Eternity’ e ‘Ruin And Misery’ .

A viagem ao ano 1996 para tocar na íntegra “Irreligious” permitiu ao grupo tocar temas que raramente fazem parte das suas set lists como por exemplo ‘A Poisoned Gift’, eventualmente menos familiar para algum dos presentes, foi elevado pela magia da guitarra de Ricardo provocando um crescente de boas reações ao longo da música. ‘Subversion’ introduziu ‘Raven Claws’ que lançou uma parte da plateia aos saltos, contando com o reforço de peso, Mariangela Demurtas que emprestou de maneira exemplar a sua bela voz ao tema.

Palco em chamas enquanto se chamava pelo nome de ‘Mephisto’, tema inspirado obra Fausto de Goethe que nunca falha uma set list dos Moonspell, sempre aclamado pelos fãs. 
Depois Fernando Ribeiro surge com estranha fatiota com lasers verdes a saírem das mãos para interpretar ‘Herr Spiegelmann’, antes do sempre memorável e talvez o tema mais especial e genericamente aceite pelos fãs, ‘Full Moon Madness’, ser fã de Moonspell é também compreender aqueles versos.

O vocalista uivou, da alcateia vieram outros uivos e o feitiço da lua penetrou na sala com mais intensidade, Mariangela e as Crystal Mountain Singers surgem em palco no final para fecharem o tema e o álbum “Irreligious” de uma maneira simplesmente épica e memorável.



Novo intervalo, nova alteração cénica e nova atuação de Cornalusa. Parecia que estávamos num festival e seguia-se a próxima banda. Como uma imagem renovada surgiam de novo em palco os Moonspell para completarem a viagem tocando o presente “Extint”, amado ou odiado, a ausência de amarras criativas nunca permitiu aos Moonspell álbuns inteiramente consensuais, a verdade é que obteve boas vendas e possivelmente também terá sido motivo para a presença de mais alguns fãs no Campo Pequeno. 

A reação à intro e ao inicio da terceira parte foi um pouco menos efusiva, talvez pelo cansaço, talvez porque não era “Wolfheart” ou “Irreligious”, mas à medida que ‘Breathe (Until We Are No More)‘ avançava, o público resistente equiparava as reações aos primeiros álbuns, galvanizados pelas banda que em palco continuava a dar tudo com uma resistência admirável. 
As vozes que se ouviam, os braços no ar, os aplausos, confirmavam que afinal Extint também era um álbum querido pelos presentes. A malha ‘Extinct’ trouxe ate palco Carolina Torres de Katana em punho ameaçando extinguir os músicos, particularmente Aires Pereira, que sobreviveram prosseguindo com ‘Medusalem’ mantendo a boa interação banda e publico que reagia aos apelos vindos de palco.

Num álbum que parece destinado a fazer brilhar ainda mais Ricardo Amorim, tão bons são os momentos de guitarra que proporciona, ‘Domina’ surge talvez como um expoente dessa formula, deixando muitos a flutuar no encanto dos riffs que a guitarra liberta com encanto. ‘The Last of Us’,’Malignia’ e ‘Funeral Bloom’ desfilam sobe os aplausos e metal horns

Com o espetáculo a caminhar rapidamente para o fim ‘A Dying Breed’ arranca impulsionada por gritos por Moonspell. ‘The Future Is Dark’ encontra uma plateia bem desperta, corpos que se recusam a ceder ao cansaço num esforço final para presenteava a banda, que certamente via com agrado a massa resistente que tinha á sua frente.


Terminaram cerca da 01h30, saindo de palco sob aplausos que por momentos pareciam infindáveis.
O feitiço foi forte, na memória dos fãs de longa data estarão outros concertos memoráveis, talvez mais memoráveis, mas a noite de 4 de fevereiro, foi uma noite de conquistas, de premiação de uma carreira, que se quer muito mais longa, foi a prova de superação de obstáculos que impediram outras banda de estarem ali onde os Moonspell estavam, a tocar metal, sem serem muleta de ninguém, num palco grande de Lisboa, a gravar um DVD perante um publico seu com a promessa de mais anos gloriosos.


Pelo menos quem viveu aquelas horas na plateia, no meio da multidão, sentiu a intensidade do momento, levando para casa os ouvidos a zumbir das vozes de berravam a seu lado, as dores no pescoço do headbanging, levando a certeza de serem parte da história da banda… Imortalidade.

Texto: Henrique Duarte
Fotos: Nuno Santos (todas as fotos aqui)
Agradecimentos: Vibes and Beats

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