
28 de Novembro de 2015, uma noite abençoada e de casa cheia, sem espaço para mais nenhuma alminha no Paradise Garage, reflecte bem um Sábado adornado de momentos épicos numa estreia memorável dos Ghost na capital.
A comunhão entre os fiéis cedo se fez sentir com a presente multidão na abertura de portas (uma hora antes do início dos espetáculos), contrapondo o malfadado hábito dos portugueses de negligenciarem na sua pontualidade.
Esta antecipada busca pelo melhor lugar foi particularmente frutífera para os Dead Soul.

Em Lisboa demonstraram o porquê de serem a banda revelação de 2013 com o álbum de estreia "In The Darkness".


Dead Soul, definitivamente, soa ao que um canta-autor deve soar no século XXI.
O segundo álbum, "The Sheltering Sky", lançado este ano mantém a fórmula dos vocais profundos e de uma sensibilidade longe de espelhar a curta carreira da banda enquanto colectivo.
"Home By The Sea", " Burn Forever" e "The Fool", com o seu reverb viciante, são apenas alguns exemplos de temas que certamente aumentaram a base de fãs da banda no nosso país.
No entretanto tocaram os sinos...
Ao som clerical de "Miserere Mei, Deus" de Gregorio Allegri se destaparam a bateria e o teclado num óbvio ritual em tom de aviso: estava prestes a começar a derradeira missa da noite.
O intervalo não fora suficientemente tentador ao arredar de pé. Antes pelo contrário. A enchente levou à abertura do balcão superior, por norma uma área reservada, e nem assim se avistou meio metro quadrado de espaço vazio.

Jocelyn Pook será compreensivamente um nome que não encaixará no leque de escolhas do comum roqueiro ou metaleiro mas "Masked Ball" levou ao delírio a multidão com a entrada do quinteto dos Nameless Ghouls.

"From the Pinnacle to the Pit", com uma das melhores linhas de baixo do seu catálogo, manteve-se fiel à ordem proposta no último trabalho de estúdio, lançado este ano.

A blasfémia prece de "The Ritual" soou alegre e descomprometida, na fórmula algures entre Mercyful Fate/ King Diamond e Blue Oyster Cult com que Opus Eponymous nos apresentou o sexteto ao mundo. Apenas "Con Clavi Con Dio" fora também escolha deste álbum que já faz meia década e que continua a servir de troféu hipster. "O primeiro é que era bom". Não. O segundo e o terceiro também o são e a prova disso esteve clara na bela passagem para "Per Aspera Ad Inferim", que por muito subtil que tenha sido não passou despercebida.

Seguiu-se rumo a "Devils Church", com o Papa a largar as suas vestes formais e confortavelmente arrancar para uma das melhores sequências de 2015, contribuindo bastante para este vir a ser, para muitos, o concerto do ano: primeiro "Cirice", com o seu tom marchante e noção melódica invejável; depois "Year Zero" a fazer ecoar a blasfémia e o pecado pelas ruas de Lisboa alcançando a sensação de Magnum Opus numa arrepiante "He Is".

O gran-finale electrizante fora sustentado principalmente por "Guleh/Zombie Queen" mas as bonitas formalidades da praxe ainda nos permitiram retirar um pouco do EP If You Have Ghosts (que contou com a participação de Dave Grohl) e um curto encore ao som de "Monsters Clock". Por Lucifer ou não, a verdade é que a comunhão "Together as One.." fora concretizada ao longo de um concerto que tanto encheu as medidas como soube a pouco. A espera fora muita mas fora bem recompensada.

Se hoje são um estranho fenómeno de unanimidade, é porque contrapõem a cansada lógica, presente na música pesada, da constante busca pelo mais rápido, mais agressivo, mais chocante ou mais progressivo. Aparentemente o melting point do público face às hipérboles coincidiu com o surgimento, ironicamente messiânico, dos Ghost e do seu imaginário que refuta o culto da personalidade e a "reinvenção da roda".
Há muito para aprender com a fórmula dos suecos e a música pesada apenas fica a ganhar com isso.
A SFTD Radio foi abençoada com algumas palavras do próprio Papa Emeritus III e pode adiantar aos nossos leitores que, se tudo correr bem, não terão de esperar muito mais pela próxima passagem dos suecos que estão a apontar já para o próximo Outono e "em grande".
Texto: Tiago Queirós
Fotos: Nuno Santos (todas as fotos brevemente na nossa página)