As baixas temperaturas que se instalaram nos últimos dias pela capital lisboeta não enganavam. Os Deuses nórdicos saíram de Asgaard e estavam a caminho...
Pela tarde fora, frente à entrada do Paradise Garage era possível encontrar um número crescente de pessoas que aguardavam de forma expectante a abertura de portas. Possivelmente, alguns ainda em busca de um bilhete caído do céu. A sala estava esgotada fazia algum tempo.
A origem deste aglomerado não tem ciência: os Amon Amarth atravessam um belíssimo momento na sua carreira sendo o seu reconhecimento assinalavelmente crescente.
Na recta final desta tour europeia, com duas datas marcadas para Portugal, foi ainda 'Deceivers of the Gods' o mote da festa. Um álbum bastante aplaudido em ambos os lados do Atlântico e que reafirma as intenções de conquista ao grande público metaleiro. Lisboa não fora de todo a excepção.
Se por volta das 20h a fila já contornava a esquina, dentro da sala já se verificava uma bela multidão prestes a receber as primeiras bandas da noite.
Fazendo jus à máxima da pontualidade britânica, os Savage Messiah estrearam-se no nosso país com grande feedback por parte dos presentes que desde cedo aderiram aos chamamentos de interactividade por parte dos elementos em palco.
Com 'The Fateful Dark' fresquinho, lançado no ano passado e sendo o único álbum apresentado aos lisboetas ao longo dos sete temas que compuseram a setlist, abriram as hostes com o tema de abertura "Iconocaust". Desde logo se fez sentir as influências de vertentes tão clássicas como o Thrash metal de uns Testament embutidos em pormenores de melodia Power/ Heavy Metal, especialmente ao segundo tema "Cross of Babylon".
O vocalista prime pela capacidade de colocação entre vocais passivos e agressivos, por vezes prolongando notas mais altas, sem nunca perder a noção do tom. Algo que por vezes acaba por manchar prestações que forçosamente se querem equiparar ao nível técnico de um Rob Halford, por exemplo.
O single "Hellblazer" foi um dos momentos mais aplaudidos da sua prestação sendo visível que os lisboetas fizeram o trabalho de casa. Um belo tributo ao heavy metal clássico que apaixona gerações à caminho de meio século!
A força dos riffs e a técnica nos solos obtiveram resultados sempre satisfatórios. O trabalho de cordas da banda deu toda a pujança necessária para despertarem a curiosidade do público que por esta altura estará a aprofundar a sua relação sonora com a banda.
O tema que dá título ao álbum apresentado pisca o olho ao mundo FM, um single que pouco espelha o catálogo da banda mas que por outro lado poderá ser uma nova porta aberta na sua carreira que conta já com quatro álbuns. No entanto a quebra de ritmo fez desse momento o menos intenso de toda a sua prestação.
No fim de contas os Savage Messiah demonstraram-se uma bela escolha como banda de abertura. Os primeiros mosh-pits da noite são um legítimo barómetro dos níveis de satisfação.
Seguiram-se os norte-americanos Huntress, provenientes da Califórnia, liderados pela virtuosa vocalista Jill Janus.
Cedo se antecipava a presença feminina em palco, quer pelo visual presente nos seus videoclips como pelos seus dotes vocais que não passaram ao lado da Napalm Records desde 2009.
A mestre de cerimónias foi o elemento chave em todos os aspectos, tanto para quem aplaudiu como para quem torceu o nariz. As suas passagens entre vocais mais "limpos", com timbre peculiar, assim como os momentos mais rasgados, soaram por vezes forçados em demasia sendo já algo comprovado nos registos de estúdio. Ninguém põe em causa a formação musical (Opera) de Jill, simplesmente se fez sentir alguma falta de harmonização.
Não deixa de ser notório que o público na sua maioria se demonstrou agradado, mesmo nos momentos em que a coisa estava quase em modo piloto-automático.
Seja como for, a banda já tinha passado pelo Paradise Garage anteriormente ( com Dragonforce), e a familiaridade acaba sempre por ser algo de positivo nestas andanças.
A fórmula apresentada tem pouco de original mas de facto a produção em seu redor abona muito a favor, colmatando alguns pontos fracos. O tom mais sombrio da noite a eles lhes pertenceu não haja dúvida mas ainda lhes falta algo mais...
"Starbound Beast", por exemplo, demonstrou uma vertente mais Doom, mas se tinham como objectivo a diversidade o que transpareceu foi uma falta de clareza no rumo que pretendem tomar na sua sonoridade tornando certos momentos algo descontextualizados.
Com o devido crédito ao mítico Lemmy Kilmister (Motörhead), "I Want to Fuck You to Death" soou demasiado pop para acrescentar algo de positivo a uma prestação onde brilharam temas como "Senicide", "Zenith" e o "Eight Swords".
Os restantes elementos da banda suportaram grande parte do show, com destaque para o baixista Eric Harris, conhecido outrora como elemento dos Skeletonwitch e mais tarde dos Holy Grail, assim como o eléctrico guitarrista Eli Santana que aparentemente deliciou as meninas na primeira fila.
Não se tratando de um nome forte ao nível de Arch Enemy, também já anunciado para 2015 nesta quase residência da Prime Artists, não deixou de ser interessante assistir a uma realidade menos comum no mundo do metal.
Já passaram uns bons aninhos desde que Dimmu Borgir serviu de pretexto para a primeira vez dos suecos Amon Amarth no nosso país. Hoje em dia, a relevância dos ícones do Black Metal tem vindo a diminuir mas em contrapartida a banda de Johan Hegg e companhia tem vindo a criar raízes cada vez mais fortes no público português. Depois de passagens por Vagos, Porto e Almada (Report SFTD), finalmente regressaram a Lisboa.
Ao som de "Run to the Hills", o indiscutível clássico dos Iron Maiden, aqueceram-se as vozes que por quase duas horas se fizeram ouvir entoando tanto os clássicos como os temas mais recentes.
O som orquestrado de "mon Amarth", subtilmente relembrando o tema do distante primeiro álbum, introduziu a entrada em palco dos imponentes vikings.
Tal como tínhamos assistido no Resurrection Fest no passado mês de Agosto, "Father of the Wolf" continua a ser o tema escolhido para abrir e os resultados foram mais do que evidentes. Antes demais, ficou claro à partida que o público lisboeta é bem mais efusivo que o espanhol: em menos de nada instalou-se o caos na plateia. O efeito dominó de pessoas, os voos rasantes dos crowd surfers, os Headbangers e até mesmo os menus de degustação capilar forçados ( sim, não ignoramos todos aqueles que têm o azar de ficar atrás de um cabeludo entusiasta) ... Não faltou rigorosamente nada! A festa estava montada.
Muito mais do que adereços e personas em palco, é a sonoridade o verdadeiro trademark. Inconfundível, catchy, profundamente orelhuda e fácil de cair no goto de todo o tipo de amantes de metal, seja este o mais acessível ou o mais extremo.
O tom épico e melódico presente no seu Death Metal não se prende em demasia com folclores desnecessários e no entanto as suas composições são propícias a todo um coro de vozes vindo do público que com ou sem lírica não se resignam ao silêncio. Às primeiras notas de "Deceivers of the Gods" é isso mesmo que se constata.
Dois dos êxitos mais recentes que os portugueses ainda não tinham tido oportunidade de assistir ao vivo mas que soaram a clássicos, tal não foi a recepção deste ultimo álbum lançado em 2013.
Uma entrada destas terá certamente equivalência a uma martelada do próprio Thor.
No primeiro discurso do concerto, o simpático vocalista enalteceu os nossos Vikings interiores para se soltarem e fazerem a "fiesta"... "Live for the Kill" e "Free Will Sacrifice" remontaram a Twilight of the God, um álbum que também marcou bastante o rumo da carreira dos Amon Amarth mas foi mais uma vez com um dos temas mais recentes que a euforia voltou a atingir picos: as linhas de guitarra de Olavi Mikkonen e Johan Söderberg em "As Loke Falls" serviu de tiro de partida para um dos mosh-pits mais intensos da noite.
Apesar de uma clara aposta em temas chave da ultima década, o sólido quinteto apresentou também alguns temas dos primeiros cinco álbuns, apenas negligenciando The Crusher de 2001. Infelizmente, num desses temas com maior reconhecimento, "Death in Fire", verificaram-se problemas técnicos relevantes, nomeadamente ao nível do som dos bombos da bateria e possivelmente do baixo fazendo com que o tema perdesse a força que o caracteriza.
Mais uma vez, Johan dirigiu-se ao público para que este cantasse o tema seguinte de punho erguido e em força. Um "bora lá car**** " rusnido, desta vez em bom português por sinal, conseguiu arrancar os sorrisos e o chamamento não fora ignorado: "Guardians of Asgaard" foi um dos melhores momentos de uma noite repleta de boas memórias.
O formato Best Of adequa-se perfeitamente ao estilo de concerto que proporcionam e por isso "Cry of the Black Birds" e "War of Gods" continuam a ser temas obrigatórios, e claramente mais aplaudidos do que os mais rebuscados da primeira metade de suas carreiras.
Relembrando as origens, "Victorious March" saltou do baú, de seu nome "Once Sent From the Golden Hall", o primeiro álbum ainda do remoto ano de 1998 ( do século passado vá...) antecipando uma despedida pouco pretendida por quem se aglomerava frente ao palco.
Um encore sem demora, visto que a meia-noite se aproximava cada vez mais (horário que normalmente põe termo aos concertos na sala Alcantrense), fez tremer os alicerces e há quem diga que de forma literal!
Sem surpresa, os temas guardados para a recta final soaram a autênticos hinos da mitologia nórdica. "Twilight of the Thunder God" e especialmente "Pursuit of Vikings" foram cantados em uníssono num momento que merece ser descrito como épico.
Um ponto final de uma noite que bem que poderia continuar por mais umas horas porque pelos rostos na plateia, pouco importava o dia seguinte. É certo que o despertar deve ter custado, principalmente aos trabalhadores e estudantes madrugadores mas garantidamente foi uma factura que ninguém se importou de pagar. Mesmo sem direito a Audis.
A Prime Artists está mais uma vez de parabéns. Na sua agenda recente verificámos salas esgotadas de forma regular e eventos que muito orgulham o público mais dado às sonoridades pesadas. Talvez com uma maior aposta ao nível da publicidade a sala poderia ser outra e de maiores dimensões. Recordo que já anteriormente os Amon Amarth esgotaram a sala Incrível Almadense e pelo que se verificou na passada terça-feira, são meninos para poderem alcançar uma nova fasquia por terras lusas.
Quanto à prestação da banda é importante referir que o desgaste da tour foi de certa forma visível mas perfeitamente compreensível o que nos remete para o que realmente devemos valorizar: foram senhores de um profissionalismo exemplar demonstrando um grande respeito pelos seus fãs, como mais tarde se verificou numa espécie de meet'n'greet espontâneo frente à entrada.
Com concertos destes, os Deuses não estarão certamente desiludidos. Nós, comuns mortais, não o estamos de forma alguma. #Somostodosvikings !
Texto: Tiago Queirós
Fotos/videos: Nuno Santos
Fica aqui um conjunto de vídeos dessa noite, dos canais SFTD e OnMyWay2route666 no Youtube: