O "aquecimento" esteve a cargo da DJ Amazonica |
É difícil explicar a quem tenha assistido a Marilyn Manson pela primeira vez como outrora o "enfant terrible" fora relevante na cultura da música pesada e a culpa é única e exclusiva do próprio que não soube gerir uma vitória assegurada à partida.
Infelizmente, os portugueses apenas voltaram a assistir o arrastar da fase descendente da carreira do auto-intitulado God of Fuck. Algo que perdura já faz demasiado tempo. É certo que MM está longe de chegar aos marcos discográficos de outras décadas e que o efeito "choque" neste século de "internetes" tem muito que se lhe diga, no entanto, já ninguém espera isso sequer.
O que se lhe pede é que ponha em pratica toda a sua experiência na estrada e que use os trunfos de forma consciente e eficaz. Algo que não o fez. A tentativa de sustentar o concerto com a marcante discografia dos anos 90 e início do novo milénio, falhou redondamente.
Mas vamos por partes: uma "Irresponsable Hate Anthem" a abrir fez descarregar muita da adrenalina acumulada e o entusiasmo na plateia foi claro e evidente. O Mosh e o Crowdsurf até podem ter sido distantes dos do longínquo ano de 1997 (edição inaugural do Sudoeste) mas foram igualmente sentidos. Trata-se de um dos temas mais pujantes que dele temos memória e um opener daqueles fez estragos... A falta de capacidade em homogeneizar o som pelo recinto da arena do Campo Pequeno e o descontrolo total das máquinas de fumo em palco não foram suficientes para diminuir o que posteriormente se veio a revelar como um dos poucos picos da noite.
O capítulo Antichrist Superstar, sem duvida um dos mais importantes, foi novamente relembrado com "Angel With the Scabbed Wings". Aquele baixo viciante relembrou os tempos em que Marilyn Manson era também uma banda e que Twiggy Ramirez não era apenas um "Hired Gun" como os que lá fomos tentando ver em palco na noite de quarta-feira... Todo aquele peso industrial, cheio de referências em Nine Inch Nails (não tivesse sido o próprio Trent Raznor produtor do álbum) relembrou-nos que parte do trademark sonoro passava pelo tom estranhamente sedutor, algo erótico mesmo, que muito pesadelo criou a diversas famílias conservadoras por este mundo fora.
Até aqui perfeito. Era exactamente isto que se queria e foi certamente isto que garantiu que passadas décadas os outrora adolescentes tivessem pago o preço para ali estarem outra vez.
Com este ataque rompante "Deep Six" até passou despercebida entre os pingos da chuva...
No entanto, a pouco e pouco nos fomos apercebendo que em 2018 a forte componente teatral, que criou o seu inegável estatuto como animal de palco, estaria pelos mínimos essenciais e o sucesso deste concerto dependeria, talvez, disso mesmo. Os seus laivos de nihilismo não passaram de escusadas demonstrações de prepotência perante os roadies e a banda e foram testemunhados com alguma vergonha alheia: um homem, prestes a entrar na sua quinta década de vida, a atirar o microfone para o chão, inúmeras vezes de forma inexplicável, não é de todo o nível de rebeldia que se espera de alguém que fez temer meio mundo no auge da sua popularidade.
E pensávamos nós que queimar Bíblias era uma carta já gasta! É que qualquer coisa do género teria dado um acréscimo de valor a esta fraca produção.
Seguiu-se uma ameaça tripla de singles de sucesso com a suposta apoteose de uma "This is the New Shit" sem grande esforço e dedicação, uma "Disposable Teens" com Manson a jogar na defensiva a deixar o público arriscar por ele os vocais mais fortes e uma "Mobscene" que na plateia já se verificava como vítima da falta de carácter efusivo do frontman em palco.
Não, não basta o cliché do "vocês são o melhor público" ou "os mais barulhentos do mundo"... queríamos mais e a segunda metade do concerto ofereceu-nos o oposto.
"Kill4Me" foi um dos dois temas apresentados do novo álbum mas que apenas entra para a memória pela subida de três fãs entusiastas a subirem ao palco (uma delas que voluntariamente e orgulhosamente fez questão de mostrar os seus atributos físicos).
"Heaven Upside Down" que, perante os mais optimistas, aparentava ser uma inversão de sentido nada mais comprova do que a mediocridade dos dois álbuns que lhe antecederam e da forma como a fidelidade do seu público se mantém sem haverem álbuns recentes que o justifiquem. A sua discografia parece estanque e a nível criativo oferece pouco. A responsabilidade em palco, torna-se portanto maior de forma a ressarcir tamanha devoção. Nesse aspecto, de forma consciente, não apostou em demasia num desfilar de temas novos e negligenciou "fillers" do passado recente.
Este é talvez o melhor argumento de defesa do "anticristo" na décima vez que pisou um palco nacional.
Os timings que foram falhando acabaram por desperdiçar o potencial de "Dope Show", até mesmo com o irreverente verso "I Don't Like the Drugs but the Drugs Like Me" a servir de falsa partida.
Já "Sweet Dreams (Are Made of This)", a mítica cover dos Eurythmics, que será talvez o tema mais tocado de toda a sua carreira, fez surtir, sem surpresas, o coro da noite.
"Say 10" deu lugar a um encore que de tão comparável a algumas das pausas entre temas nem se fez sentir realmente e "Antichrist Superstar" nem com direito a palanque soube reavivar um público cansado do som estridente do tal arremesso de microfones levado ao exagero.
A mais recente cover "Cry Little Sister" trouxe alguma dose de negrume gótico, lento e meloso mas numa altura em que talvez uma "Fight Song" ou "Reflecting God", por exemplo, tivessem resultado melhor.
Já a terminar, "The Beautiful People" mesmo automatizada, teve a reacção que do nosso público se esperava e foi cantada, suada, vivida... enquanto em palco MM se estendia no chão.
Atenção que isso poderá soar mais "rock'n'roll" do que foi realmente. Uma benesse pouco merecida que o público português quis dar a um Brian Warner que desta vez não soube aguentar o peso da responsabilidade em ter que ser Marilyn Manson sob as luzes da ribalta, a personificação do mal, o anti-herói, o Showman. Não a diva plena de devaneios e excessos escusados que nada contribuíram para melhorar a leitura do que o público assistiu.
O tom passivo do tema não deixou claro que este teria sido o ponto final da noite e imediatamente se partilharam testemunhos de um público que queria e merecia mais do que recebeu. Marilyn Manson deixou escapar o que poderia ter sido uma noite memorável e um boost para a vida na estrada mas optou por estar de corpo presente a cumprir mais um dia no seu escritório.
Com plateia e balcão esgotados, a belíssima moldura humana presente no Campo Pequeno, repleta de fãs aguerridos, primou onde o artista pecou: deu a voz quando Manson optava pelo jogo seguro e mexeu-se fervorosamente ao som dos clássicos de sempre.
Foram foliões sem fogo de artifício e a noite provou ser deles e não para eles como deveria ter sido.
Público invejável numa noite em que o saldo não deixa de estar no limiar do positivo para quem riscou alguns hinos pela primeira vez, no entanto desilusão para quem já se tenha cruzado com o norte-americano noutras passagens pelo nosso país: aquelas que sustentam a lenda.
Texto: Tiago Queirós
Agredecimento especial pelas fotos a Jorge Pereira e à Loudness Magazine (podem encontrar a galeria completa aqui)