Podemos afirmar que, nos dias 7 e 8 de dezembro, realizou-se, em Lisboa, um dos eventos mais marcantes do ano e, certamente, um dos mais importantes da estação fria. A sexta edição do Under the Doom mudou-se, definitivamente, para o LAV-Lisboa ao Vivo e recebeu centenas de apreciadores das sonoridades mais negras e pesadas, com um cartaz de luxo, que continua a surpreender, ano após ano.
A Notredame Productions soube bem como tratar este público exigente, pontualíssimo, que encheu a sala nos dois dias e que muito vibrou ao som das excelentes atuações.
Ainda pensámos que, no primeiro dia, pelas 18h30m, a sala do LAV – Lisboa ao Vivo não contasse com muita assistência, por ser cedo e dia de trabalho para a maioria, mas a verdade é que a fila crescia rapidamente na rua e depressa vimos o público a compor-se.
É certo que a primeira banda ainda viu a sala a meio gás, mas os três elementos da banda belga Wyatt E. , de cabeça coberta, dedicaram-se a receber os que rapidamente entravam, iniciando-os, de imediato, na toada lenta e criando a atmosfera adequada.
Embora parecendo repetitivo, o trabalho da banda ganha precisamente pela sua constância, já que a passada arrastada assume o controlo dos espetadores. A banda acaba quase por fazer a cerimónia de abertura do festival, apresentando-se de forma particular, sem abrir espaço para interação, cumprindo apenas a sua celebração, depois de deixar a assistência quase hipnotizada.
Os holandeses The Wounded provocaram uma mudança brusca no ambiente da sala. Precisámos de alguns momentos para ajustarmos o ouvido a Wolves We Raised, do último álbum Sunset, com que iniciaram a atuação. A voz limpa, a energia e a vivacidade trouxeram algum colorido ao ambiente negro deixado pelos Wyatt E.
Refrões orelhudos, melodias que ficam no ouvido e que fizeram agitar a postura dos que já aqueciam a sala. O rock melancólico fez, assim, a sua primeira aparição no festival, na qual não faltou a cover dos Nirvana Smells like teen spirit, revestida de um peso e intensidade diferentes, muita aplaudida pelo público.
O vocalista Marco Van der Velde interagiu com os presentes, convidando-os a acompanhar os refrões. O final da atuação recebeu fortes aplausos.
Com atuações a iniciar às 18h30m, e sem querermos perder nem uma, a fome também começou a ocupar espaço, pelo que tivemos de contentar-nos com os petiscos rápidos do LAV para o jantar. Foi assim, a engolir umapequena refeição à pressa, que vimos os Desire a prepararem a sua atuação, trazendo, como convidados, a vocalista dos Enchantya, Rute Fevereiro e o violinista Tiago Flores, dos Corvos.
Já passou quase um ano desde que tivemos oportunidade de ouvir a banda, ao assinalarem a reedição do seu álbum Infinity… A Timeless Journey Through an Emotional Dream, o que nos deixou a esperança de voltarem brevemente aos palcos e às gravações.
Continua a ser um privilégio ouvi-los, desta vez com uma setlist mais variada, composta por temas pertencentes aos álbuns Infinity… A Timeless Journey Through an Emotional Dream e Locus Horrendus, e aos EP Pentacrow e Crowcifix, mas mais importante ainda é que tivemos direito ao novo Scars of Dissilussion, e ficámos ansiosos pelas novidades agendadas para 2019.
Perante a intensidade e peso que sentimos neste novo tema, parece-nos que não vamos desiludir-nos. Tal como seria de esperar, esta banda foi das mais aplaudidas, não só pela sua qualidade, reconhecida em Portugal e no estrangeiro, mas também pela espera a que tem vindo a forçar os seus fãs. Ao terminarem a atuação com The Purest Dreamer, ficámos a pensar que gostaríamos de ter ouvido muito mais.
Os americanos While Heaven Wept fizeram a sua primeira e única atuação em Portugal, já que se encontram na última digressão, após quase 30 anos de carreira. O álbum Of Empires Forlon (2003) foi o dominante na setlist, que apresentou ainda temas como Vessel ou Thus with a kiss I die, dos álbuns Vast Oceans Lachrymose e Sorrow of the Angels, respetivamente.
O público não ficou indiferente às pinceladas dissonantes que emprestam cor às fortes melodias e participou ativamente ao longo da atuação, acompanhando os refrões. Terminado o primeiro tema, já a assistência aplaudia com grande entusiasmo. Destacamos o final de Of Empires Forlon, bastante intenso, em que sentimos o público quase em suspenso.
Os suecos Draconian, já repetentes neste festival, surgiram com uma substituição na bateria, apresentando-se com Tarald Lie Jr.,dos Tristania. Prepararam uma setlist sem surpresas, com alguns dos seus temas mais fortes e conhecidos, iniciando com Stellar Tombs e terminando com A Scenery of Loss, numa atuação muito intensa, plena de emoção, com o peso e a melancolia que já esperávamos.
Visualmente, continua a ser impressionante a postura da vocalista Heike Langhans, muito expressiva, curvando-se sob o peso da lírica, emprestando a delicadeza da voz feminina às composições densas e negras que o público tão bem conhece. Com a sala quase cheia, a atuação dos Draconian não desiludiu, motivou a participação do público e foi das mais marcantes deste primeiro dia.
A sala do LAV-Lisboa ao Vivo respirou uma atmosfera mais leve com a dispersão do público para sair ou para se aproximar do bar, mas os noruegueses Arcturus não tardaram muito a ocupar o seu lugar no palco. Novamente, assistimos a uma mudança no ambiente, ou não fosse a criatividade desta banda a responsável por temas algo desconcertantes e teatrais, como Kinetic, a iniciar a setlist da atuação. Continuaram na linha do álbum The Sham Mirrors(2002), avançando temporalmente para o álbum Arcturian (2015), sobrevoando, a seguir, álbuns mais antigos, desde 1996.
O público assistiu, entusiasmado, às modulações imprevisíveis da voz de ICS Vortex (ex- Dimmu Borgir), vestido ao estilo steampunk, muito expressivo, à frente de um trabalho brilhante de conjugação de várias melodias e efeitos, que parecem apenas sobrepostos, mas que resultam numa experiência musical única.
Terminou assim o primeiro dia do festival, e após o estado de inquietação em que nos deixou a atuação dos Arcturus, avaliámos o elevado nível dos concertos a que tínhamos acabado de assistir, contando que esse mesmo nível iria, certamente, ser igualado ou superado no dia seguinte.
Texto: Sónia Sanches ( SFTD Radio )
Fotos: Hélio Cristóvao (WOM).
Agradecimentos: Notredame Productions