(foto Joana Cardoso|Photography para Arte Sonora: toda a galeria aqui)
A passagem da Deathcrusher Tour por Portugal, no passado dia 27 de Novembro, serviu para nos relembrar, da melhor forma, o porquê de o death metal ter preenchido a vaga deixada pelo thrash como um dos géneros mais interessantes e admirados da história da música pesada. Abriu, para muitos, as portas do que consideramos extremo e criou lendas tão díspares quanto únicas, desde Morbid Angel a Deicide, Suffocation a Cannibal Corpse e claro, Obituary e Carcass.
O cartaz de luxo que por meses foi antecipado, teve direito a um Cine-Teatro de Corroios esgotadíssimo, numa noite digna de entrar no álbum de memórias dos metaleiros portugueses.
A Hell Xis saiu fora da sua área de conforto, o hardcore, e o resultado não poderia ter sido melhor. A humidade no ar criou "nevoeiro", fez escorrer as paredes e disparou os termómetros. O suor esteve longe de reservado aos muitos adeptos do mosh e o headbanging fora uma autêntica coreografia ao longo dos cinco concertos que soaram a lições de história.
A golden age do género pode ter passado, mas o curriculum de cada uma das bandas merece o saudosismo implícito nas centenas de fãs que não temeram o trânsito dissuasivo que separa as margens do Tejo numa sexta-feira em hora de ponta.
A golden age do género pode ter passado, mas o curriculum de cada uma das bandas merece o saudosismo implícito nas centenas de fãs que não temeram o trânsito dissuasivo que separa as margens do Tejo numa sexta-feira em hora de ponta.
À entrada do recinto, ainda antes do início dos espetáculos, a vasta multidão vestida de preto, envergando orgulhosamente o merchandise "conquistado" ao longo dos anos como autênticos troféus, confirmava o prognóstico de enchente.
Possivelmente, face aos tristes acontecimentos em Paris, denotou-se uma preocupação acrescida em relação à segurança do público (um reforço claro nesse aspecto) tanto para bem como para mal. Algumas queixas face à fluidez de entradas, sujeitas ao detetor de metais, fizeram-se ouvir. No entanto, dado o contexto da conjuntura, este esforço deve também ser valorizado. Infelizmente, a necessidade de cumprir um horário rígido, o muito tráfego na estrada e o horário laboral acabaram por criar um pico de afluência difícil de contornar, lesando algum público que gostaria de assistir às primeiras bandas.
Coube aos Herod a honra de abrir as hostilidades. De forma mais do que pontual, os norte-americanos tiveram pela frente uma sala distante do que viria a estar e o seu metal experimental não fora maximizado nem desfrutado na totalidade perante um público ainda tímido. O curto espaço de tempo que lhes fora guardado (aproximadamente 25 minutos) aliada à duração e género musical, não aqueceu nem arrefeceu no que toca a grandes memórias.
Bem mais conhecidos eram os canadianos Voivod que dispensam apresentações perante os metaleiros old-school que ainda se sentem ressarcidos com a sua fórmula thrash, bem própria, com alguns elementos progressivos que os realçam de tudo o resto que fora feito pelos anos 80.
(foto Joana Cardoso|Photography para Arte Sonora: toda a galeria aqui)
Não nos podemos esquecer que um dos ícones de estádio do Prog rock são os conterrâneos Rush e que os thrashers Annihilator (que passaram pelo Porto este ano) e Anvil também o são. Sim, o Canadá não se resume a Nickelback e a Justin Bieber no que toca a música. Por aquelas gélidas paisagens o simplismo vendeu mas o pensar “fora da caixa” fora artisticamente recompensador (até o Devin Townsend vem de lá…). Os Voivod são um bom exemplo de fórmulas menos convencionais e pouco dados à rigidez de um estereótipo.
De volta a Corroios, e longe do estranho vazio que os recebeu da última vez, apresentaram uma setlist que espelhou a miscelânea de tempos e ritmos díspares que nem Dave Ghrol ficou imune (como sempre fez questão de referir em diversas entrevistas, assim como no projecto Probot).
Abriram com um dos álbuns obrigatórios do seu reportorio (Rröööaaarrr) ao som de “Ripping Headaches” e aos poucos foram conseguindo cativar um publico que nos primeiros minutos se demonstrou frio e cauteloso.
O entusiasmo lá fora aumentando, a par das filas para a cerveja, e aos poucos Denis “Snake” Bélanger conseguia o feedback desejado.
O break de bateria de “Tribal Convictions” (plagiado em “Hour I” dos Scorpions?) provocou os primeiros movimentos de air-drum ou pelo reconhecimento de um consagrado Dimension Hatröss ou simplesmente porque é inevitável.
A voz juvenil presente nos álbuns está longe do que pudémos assistir. A idade pesa no corpo, visivelmente mais descoordenado em temas mais “mexidos”, como o “apunkalhado” “The Unknown Knows”. “The Prow”, com o seu q.b. de surf rock e toque de midas do produtor Terry Brown (Rush) serviu de desafio à dança e ficou no ouvido de tão “catchy” que é.
Para o fim ficou “Order of The Backguards”, relembrando o esplendor de Killing Technology e “Voivod” (aquela intro não vos relembra “Damage Inc.”?), retirado do velhinho War and Pain, alcançando o pico de uma pequena amostra do seu potencial.
Dificilmente no futuro os veremos perante tamanha multidão ou em melhores condições enquanto banda em palco. Seja como for, que venham novas passagens porque é sempre um bom pretexto para relembrar uma discografia riquíssima.
A carreira dos britânicos Napalm Death está longe de se resumir a Scum. No entanto, as linhas diretrizes criadas desde então não só definiram todo um género como ironicamente criaram uns novos carris, propositadamente limitados, para certa direcção que o metal extremo seguiu.
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Mais rápido, directo e mais enérgico. A primazia do ruído como forma de expressão é resultante do Blast-Beat criador de paredes de som esmagadoras, das guitarradas em tom grave e dos guturais imperceptíveis . O crédito é todo deles e mais uma vez se frisou a fidelidade à metodologia.
Escusado será definir o grindcore de forma redundante: na sua história sempre assistimos a certos "piscares de olho" a Sub-géneros igualmente crus, desde o punk e hardcore, que a muito se deve a sua génese e, até mesmo, ao próprio death metal.
Estes rapazes de Birmingham deram uma nova roupagem ao crust anarcho-punk de bandas D-Beat como Discharge e, principalmente, Extreme Noise Terror tornando-o ainda mais pesado (passando a fasquia que define o que é metal e o que não é).
À data do seu surgimento dificilmente teríamos acesso a algo mais caótico.
Por muitos anos que passem o seu efeito de devastação não se perde e prova disso foram os tornados de nível 5, a que lhes chamamos de Circle Pit, verificados na plateia. Tudo o resto foram réplicas do auge selvático do que se viu por esta altura. Uma paisagem do apocalipse que não foi indiferente a ninguém.
A oportunidade de mostrar novo material não foi desperdiçada e os indícios foram claros na introdução "Apex Predator - Easy Meat”. O carismático vocalista Mark “Barney” entrou de rompante com “Silence is Deafning” e “When All is Said and Done”, os únicos dois temas fora do âmbito do último álbum ou dos álbuns clássicos. Ambos serviram de tiro de partida para um concerto ainda mais explosivo do que nos "serviram" na República da Música da última vez, sem os problemas técnicos que o tinham marcado mas também vítima de algum ruído (a verdade é que é um género dificil de aprimordiar nos P.A.s e nas características acústicas das salas).
Cedo se tornou claro que a banda acusava algum desgaste, em claro contraste com o enérgico público. O novo álbum fora o foco e “Smash a Single Digit”, “Metaphorically Speaking” e “How the Years Condemn” serviram de porta-estandarte.
O grande momento da sua actuação fora a sequência crua de “Scum” e “Deceiver”, ambos do histórico primeiro álbum, mas o segundo tema referido teve um convidado bastante especial: Bill Steer, actual guitarrista dos Carcass e um dos mais influentes da historia do Death Metal. Para os mais distraídos convém dizer que este virtuoso fez também parte da formação dos Napalm Death, de uma altura em que apenas o baixista Shane Embury se pode gabar de se lembrar. Em apenas dois álbuns fez história em todo um género (fora os outros, mas já lá vamos…): Scum e From Enslavement to Obliteration são ainda hoje obrigatórios para os fãs do género.
“Suffer the Children”, de Harmony of Corruption (o primeiro de Barney; muito influente nos EUA) e “Nazi Punks Fuck Off”, a Cover de Dead Kennedys que não arreda pé das setlists, foram uma espécie de golpe baixo justificando uma saída antecipada, encurtando um concerto que por si só já seria curto.
Aparentemente ninguém se sentiu enganado quando se guardou a despedida final para uma homenagem ao mítico Shane Embury que festejava o seu aniversário.
“Adversarial/Copulating Snakes” foi um ponto final completamente formal. O verdadeiro show foi proporcionado pela vasta multidão que se demonstrou activa do princípio ao fim, porque em palco não assistimos a qualquer tipo de proporcionalidade directa, por muito comunicativos que até possam ter sido...
Se no ano passado deixaram claro que o RCA Clube não é sala para a sua dimensão histórica, desta vez frisaram que não são banda de abertura para ninguém, por muito grande que seja o estatuto do headliner. Como o fizeram? Convertendo a escala de uma hora num mero passar de escassos minutos. Poderíamos alegar, legitimamente, que faltaria este ou aquele tema, mas não foi por aí que se fez sentir a quebra mas sim pela total sincronização fãs/banda, desligada abruptamente num concerto demasiado curto.
(foto Joana Cardoso|Photography para Arte Sonora: toda a galeria aqui)
Inseridos na frutífera Florida Scene, a banda dos irmãos John e Donald Tardy (e de Trevor Peres, é certo) sempre soou bastante distinta dos seus pares, como os incontornáveis Death. As evidentes influências quer em Celtic Frost como nas tendências da época, criadas por Reign in Blood (Slayer) e Seven Churches (Possessed) entre outros, foram personalizadas numa fórmula que em 1989 soava única e original. As mudanças nos tempos, o jogo entre o doom e o fast-tempo à la thrash combinaram dois mundos ainda hoje difíceis de conciliar.
"Redneck Stomp", o instrumental que abre Frozen in Time, cedo conseguiu o seu objectivo de partir pescoços. Um opener que não necessita de apetrechamentos vocais para se fazer sentir. E bem sabemos que é também na voz de John Tardy que se escreve a carreira dos norte-americanos!
Os seus vocais incansáveis aos ouvidos dos metaleiros, rasgados e sujos, numa rouquidão primitiva, fizeram-se ouvir com "Centuries of Lies" e "Visions in My Head", ambos de um "Inked in Blood" cheio de groove que tinha sido pretexto para as últimas visitas por Lisboa e Porto.
Seguiram-se passagens pelos álbuns clássicos, Slowly We Rot e Cause of Death:
"Intoxicated" aumentou o ritmo para níveis frenéticos e "Blood Soaked" demonstrou-se tanto cavernosa como intensa; já do segundo álbum escapou "Chopped in Half" mas não ficou lesado nesse aspecto com "Dying" e "Find The Arise" a demonstrarem o porque deste LP ter surpreendido por um maior cuidado na produção (efeito da entrada de James Murphy?).
Iguais a si próprios, deixaram sempre a música falar por si. "Don't Care" foi o único single de um álbum menos clássico (por assim dizer) sendo antecedido, sem pausas, pela cavernosa “‘Till Death”. Gostaram? Ele continua a não se importar...
Não poderia nunca faltar a obrigatória "Slowly We Rot" para gáudio do público, tanto estando hipnoticamente extasiado ou determinado no mosh-pit. Ainda hoje, uma das músicas mais importantes da história do Death Metal e da música pesada na sua generalidade.
É incrível como todos os temas se interligam entre si, em todo o seu catálogo, sendo quase irrelevante a montagem da setlist. Qualquer uma é inconfundível. É Obituary do início ao fim e a fórmula não cansa. Quando se sentirem fartos da música extrema contemporânea, não desistam. Apenas recuem uns aninhos.
Outra instituição da música (extremamente) pesada são os britânicos Carcass.
(foto Joana Cardoso|Photography para Arte Sonora: toda a galeria aqui)
A produção em palco, nomeadamente ao nível das luzes, não enganava: a Deathcrusher Tour não repartia 4 cabeças de cartaz, por muito que isso fosse possível em teoria.
Surgidos quase da mesma fornada dos Napalm Death, são também eles pioneiros do metal extremo, principalmente na transição do grindcore politizado para o gore perturbador, aumentando o leque de emoções ao dispor da metalada e abrindo um antecedente claro com o derrube de algumas barreias que mesmo o metal continuava a acreditar de forma dogmática. Ainda se lembram das capas dos primeiros álbuns? E aquelas letras?
No entanto, a história dos Carcass vai muito para além de riffs rápidos e músicas curtas. São igualmente pioneiros de um género muito mais denso, abrangente e repleto de exemplos sonantes : o Melodic Death Metal.
"Heartwork" é a obra prima, dificilmente contradita, da sua carreira com mais de três décadas e a sua influência é clara nos mais diversos nomes que se escrevem em letra garrafal pelos cartazes de festivais pelo mundo fora.Os portugueses tinham sido brindados com o seu regresso surpreendente ao mundo da música com um concerto no Vagos Open Air 2010 mas as saudades já apertavam.
A SFTD Radio “apanhou-os” no ano passado no Resurrection Fest, numa noite de chuva intensa, e rendeu-se à sua classe em palco ao apresentarem o seu mais recente álbum, Surgical Steel. Um regresso pleno de sentido e justificado em estúdio - algo raro!
Foi com este que atacaram os portugueses que à data ainda não tinham tido oportunidade de o “sentirem” ao vivo. As harmoniosas linhas de guitarra de “1985” serviram de introdução para o rompante ataque ao single “Unfit For Human Consumption”, recebido em êxtase. Em fevereiro cruzámo-nos com Michael Amott, fundador dos Arch Enemy, em Lisboa, e talvez por isso todos aqueles riffs nos relembravam o papel que teve na mudança de sonoridade que a banda sofreu desde Necroticism – Descanting the Insalubrious (primeiro álbum com o seu contributo) e principalmente no já citado Heartwork. De qualquer forma, olhando para o palco, Bill Steer relembrou-nos que é ele o ícone maior na caracterização musical da banda.
O homem, que momentos antes já tinha pisado o palco, carregou na suas seis cordas todo o som guitar-driven melodico que nos apaixona na obra-prima da banda e que perdura neste último capítulo.
A banda que hoje atravessa a ternura dos 40 está longe de se expor em demasia ao Gore do passado e, em boa verdade, vê-los de volta do harmonioso tecnicismo presente na sua obra-prima e na bela produção de Surgical Steel é um primor para quem se considere fã de um metal mais pensado e trabalhado.
Por esta ordem de ideias, quem por um lado for fã da fase mais grind da banda pode não ter sido ressarcido. Se, por outro, forem apreciadores de bom Death metal (mais melodico é certo), não deverão ter dado o dinheiro por perdido.
A primeira metade do concerto reflecte isso mesmo: “Buried Dreams” e “This Mortal Coil”, ambos de Heartwork, foram intercalados por temas novos como “Cadavar Pouch Conveyor System”, “The Granulating Dark Satanic Mills” e “Captive Bolt Pistol”. Apenas “Incarnated Solvent Abuse” teve a honra de representar Necrotism nesta fase, mantendo assim uma certa lógica entre musicas.
Numa segunda parte, a turma de Jeff Walker atacou a fase mais “in your face” introduzida por “Genital Grinder” e precedida de “Exhume to Consume” e “Reek of Putrefaction”, ambos de Shymphonies of Sickness, segundo álbum da banda. Uma passagem demasiado pequena na perspectiva dos amantes do grindcore para dar lugar, ainda por cima, ao único tema de Swansong, o álbum menos querido da sua discografia (chegou a ser lançado posteriormente ao próprio hiato que duraria anos). “Keep on Rotting in The Free World” foi então um single com sabor agri-doce.
Um dos temas favoritos do público, e dos melhores momentos do concerto, “Corporal Jigsore Quandary”, foi lançado na recta final. O encore foi feito com “Mount of Execution”, seguido ineturruptamente por “Heartwork” não funcionando em pleno e fazendo perder um pouco a magnitude deste que também se pode considerar um dos hinos do Death metal.
Ao fim de 14 temas, com breves passagens entre um passado que merece ser recordado e um presente que o tempo certamente valorizará, os Carcass demonstraram aos portugueses, 5 anos depois, o porquê de continuarem a ser considerados uns dos nomes maiores da história do metal extremo, quer no grindcore (goregrind) como no Death metal (melódico).
A Deathcrusher Tour esmagou-nos com o seu peso, tal como o cartaz ameaçava. Sem dúvida, uma das melhores tours do ano a passar pelo nosso país numa noite a ser recordada por muitos anos.
Texto: Tiago Queirós
Vídeos (mais abaixo):
Agradecimentos: Hell Xis Agency e Revista Arte Sonora e Joana Cardoso|Photography pelas fotos
Texto: Tiago Queirós
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