Infelizmente, o som estridente pouco abonou à degustação auditiva mas, se saímos do Lisboa ao Vivo de tímpanos feridos, a dose certa de riffs pujantes e refrões entusiastas retribuiu-nos força para enfrentar mais uma semana que se espera feita de frio e chuva.
Por volta das 22h a formação que acompanha Tremonti subiu ao palco sob a expectável salva de palmas daqueles que não cederam à intempérie vivida na capital. Ao longo de hora e meia, poucas foram as falas bajuladoras, típicas da diplomacia palco-plateia, e isso não pareceu desagradar o público embutido no desfilar de temas dos quatro álbuns que marcam a discografia a solo do mestre de cerimónias. Se Creed e Alter Bridge são exemplos do (extinto?) rock fm, formulados pelas fortes componentes melódicas e de refrões orelhudos, o projecto a solo do guitarrista "apenas" lhe adicionou o peso que nem sempre poderia encaixar nos projectos citados.
A música que Tremonti pratica (neste projecto) não é complacente com as suas capacidades técnicas indiscutíveis e, apesar de ser a guitarra o alicerce basilar da sua já longa carreira, não faz disso um centro de atenções exclusivo com excesso de virtuosismo instrumental. Pelo contrário, as canções mantém a acessibilidade e a noção melo-rítmica que sempre o acompanhou desde 1993, tendo apenas libertado um pouco mais da agressividade e pujança, que por uma questão de estética sonora, acabaram por servir de pretexto à fundação desta banda. Esse peso foi demonstrado ao longo da setlist que teve logo "Cauterize" como ponto de partida. Já em antemão o norte-americano revelava que o show apresentado no passado domingo não teria grandes surpresas mas que como headliner teriam mais tempo de palco para demonstrarem o seu catálogo.
A constatação do óbvio materializou-se numa setlist fotocopiada e possivelmente cronometrada, sem qualquer tipo de desvio (o momento de maior "liberdade" até fora proporcionado por Eric Friedman), tal como se verificou nas datas norte-americanas e como se prevê ser pelo resto da Europa. Nesse aspecto, visto ser a primeira data desta "perna" pelo Velho Continente não deixou de desapontar.
Mark é reconhecido por levar o seu trabalho de forma muito séria (há quem diga que ensaia como tendo um emprego das 9 às 18) mas daí a deixar transparecer a ideia de "mais um dia no escritório" sem haver valências que tornem esta passagem memorável (com excepção natural para os fãs "die-hard")... Os grandes concertos não se fazem apenas de um conjunto de músicas fortes e os pequenos detalhes por vezes fazem a diferença toda. Playlists são para se ouvir em casa, no carro ou de headphones nos ouvidos. Valha-nos a indulgência de sabermos que o homem não pára e que este side project tem de ser sempre jogado com a calendarização do colega Myles Kennedy (que veremos em 2019 com Slash em Lisboa), não deixando grande espaço de manobra. "You Fall in Disgrace", um dos temas obrigatórios do seu reportório, fez vibrar com o seu riff e trabalho de bateria contagiantes.
Aquele sotaque bem americano encaixa na perfeição com o som que pratica e se a voz peculiar de Myles por vezes dissuade novos fãs, a de Tremonti, mesmo que não tão rara, parece ser bastante satisfatória a um espectro mais vasto. Se o sólido mid-tempo de "Another Heart" convidou ao headbanging (como mais tarde "Flying Monkeys" faria), a estimulante "Take You With Me" catalizou o sing along comprovando ser um belíssimo single deste último trabalho discográfico e um dos melhores momentos deste concerto.
Seguiu-se "Traipse" que na sua métrica nos relembrou que A Dying Machine é um álbum conceptual (com direito a livro num futuro que se espera breve) e aumentou o leque de texturas que, sem desdenhar, fluíram sempre lindamente. E se "My Last Mistake" de Dust, que fez regressar a atitude "in your face", e a espécie de power ballad "The Things I've Seen" soaram genericamente eficazes, já "Trust" comprovou que a banda está a saber encontrar a sua própria identidade, mesmo que inevitavelmente associados a outras praias.
O melhor ficou guardado para segunda metade do concerto: O feeling thrash de "Bringer of War" fez as delícias daqueles que preferem a veia mais metaleira do frontman; "Dust" e toda a sua melancolia arrepiaram como a prévia power ballad não conseguiu (sendo também o seu solo um dos melhores momentos instrumentalizados da noite); "Throw Them to the Lions" e "A Dying Machine" reclamaram o direito legítimo a perdurarem nas setlists pelos anos vindouros.
São sem dúvida duas das melhores músicas do seu catálogo e dois fortes argumentos a favor deste que é um dos melhores álbuns (do género) em 2018.
Certamente que muitos foram a ouvi-las em repetição até casa. Nós fomos. Sem encore, o ponto final mais uma vez foi posto ao som de uma potente "Wish You Well".
Tremonti em 10 anos assina em 7 álbuns, e com este quarto a solo não adicionou apenas um número à discografia subindo a sua própria fasquia. Sem ter reinventado a roda fora sempre aplaudido pela crítica e, por quem mais interessa, pelos fãs. Ora com A Dying Machine os motivos de orgulho devem aumentar.
Quer "aqui" como em Alter Bridge o músico-compositor demonstra estar no melhor momento artístico e os resultados em estúdio são a prova que perdurará na história.
A sua arte não passa por uma complexidade desmesurada mas pela forma como a sua técnica torna tudo tão positivamente simples. O seu groove é contagiante (uma nota de apreço para o trabalho de bateria) e as produções de Michael Baskett dão toda uma dimensão sonora aos instrumentos com clara evidência às guitarras e isso assenta perfeitamente neste projecto. No entanto, em relação a este concerto, deu gosto ver Tremonti a tocar mas este pecou em não nos tocar. Pelo menos não no potencial que desejávamos.
A automatização do concerto e o défice de qualidade sonora nada contribuíram para que nos víssemos livres do gosto agridoce que se foi instalando e que mesmo amenizado aqui e ali nunca desapareceu.
No fim até trouxemos os 3 pontos para a casa mas com a sensação que fora pela margem mínima. Infelizmente este escriba não assistiu ao concerto dos franceses Disconnected mas ainda (re)viu os The Raven Age cujo apelido Harris é sempre inevitavelmente citado.
Algo que no caso da banda destes rapazes fora uma segunda vez. São capazes de ter uma cunha...
Seja como for, o metal melódico que praticam, muito metalcore friendly, com clean vocals, mil e uma notas de guitarra, uns tantos breaks e sempre numa busca incessante de refrões épicos acaba por tornar tudo muito forçado, pouco natural e acima de tudo pouco interessante.
Gostaríamos bastante de transbordar saudosismo por todo o DNA do baixista mais acarinhado do público metaleiro português mas seria deturpar a realidade dos factos se estivesse a vangloriar a banda que parece se ter resignado ao facilitismo de uma fan base teenager e sem resultados aparentes que o justifiquem.
Com apenas um LP ainda vão a tempo de riscar palavras como "genérico" e "redundante" do nosso imaginário. Fazemos figas para que o consigam mas por enquanto preferimos dar ênfase a muita banda nacional que teria trazido para palco coisas musicalmente bem mais interessantes.
Fotos: Joana Marçal Carriço (todas as fotos brevemente na nossa página no FB)
Texto: Tiago Queirós
Agradecimentos: Prime Artists