PURO VEINLESS
Num momento crucial da sua carreira, os
Veinless preparam-se para virar mais uma página da sua história, ao entrarem na
fase final de edição do novo trabalho que, garantem, trará algumas boas
surpresas. Do contínuo esforço para aprimorar e imprimir a identidade da banda
nas suas composições, resulta agora um álbum que promete ser intenso, com
lirismo e sonoridade fortes, impregnado das atrocidades da vida mas, ao mesmo
tempo, com poder reativo e reflexivo. O vocalista António Boieiro abriu um
pouco a embalagem deste novo trabalho, do qual quisemos conhecer alguns dos
ingredientes. A dificuldade em encontrar rótulos adequados confirma o que já
esperávamos: puro Veinless, foi o único ingrediente encontrado.
É assim a música em Portugal: é preciso
muita paixão, muita dedicação e muita paciência.
António
Boieiro
SFTD Radio: Veinless surge frequentemente associado ao subgénero “thrash metal”, mas quando vos ouvimos, nem sempre confirmamos essa associação. O vosso género é uma mistura das vossas variadas influências?
António Boieiro: Quando os Veinless
se formaram há 10 anos, com o núcleo duro formado pelo Roger, Kronos, Eddie e Thrash e pelo vocalista Paulo, tinham uma vertente mais thrash, que continuou com o vocalista
seguinte, o Saraiva. Quando ficaram sem vocalista, eu ofereci-me “para dar uns
toques” e eles gostaram. Entretanto, o baixista Eddie saiu e regressou há cinco anos. Depois de ele voltar,
começámos a criar a nossa identidade. Já tínhamos as pessoas com quem nós
sabíamos que podíamos trabalhar, e já podíamos criar um som mais próprio. Aliás,
este álbum novo vai ser muito eclético, com algumas surpresas, não vai ser algo
linear. Vamos utilizar algumas das minhas artes vocais que ainda não tinham
sido utilizadas e teremos coisas que acho que não são rotuladas, que têm a ver
com o querermo-nos afirmar e acho que é esse o caminho: afirmarmo-nos como uma
banda que não possa ser rotulada. Criar cada vez mais a nossa identidade. Teremos
mais músicas cantadas em português porque estamos a apostar na nossa língua. Cada
vez mais o caminho é não rotular a banda como thrash ou rock… É Veinless. Todos temos influências de
diversas áreas, todos nós gostamos de fazer coisas diferentes. Tudo ajuda a que
possamos gostar de várias vertentes musicais e há uma grande abertura que parte
de todos os elementos. Eu propus começarmos a cantar em português e eles
acharam que sim porque, neste momento e dentro deste género, não há ninguém a
cantar em português. É a aposta de Veinless.
O nome é que não há-de mudar para “Sem Veias”… Acho que não há problema em um
gajo cantar em português e manter o nome em inglês…
SFTD: A
vossa demo é de 2003 e o primeiro álbum é de 2012. Foram precisos mais 3 anos
para surgir o segundo álbum. A que se devem estes grandes intervalos temporais?
A.B.: Os intervalos devem-se precisamente às mudanças de vocalista,
à saída e regresso do baixista. Nestes últimos anos, depois de eu entrar e de o
Eddie voltar, temos levado isto mais a sério. Gostaríamos de viver disto, mas
não é possível. Já não é mau termos conseguido dinheiro para nos irmos
auto-sustentando, fazendo concertos, e temos tido público porque o mais
importante mesmo é termos pessoas que gostam de nós.
SFTD: Qual
a data prevista para o lançamento?
A.B.: A nossa intenção é de que saia em Março/Abril. O que demora
mais tempo no álbum não é propriamente a gravação ou a produção. É depois todo
o trabalho gráfico. A gravação em si não é muito demorada, o resto é que é.
SFTD: Como
é neste momento lançar um álbum em Portugal? Passaram por grandes dificuldades
para fazerem este trabalho?
A.B.: Passámos por algumas dificuldades mas, felizmente, temos muita
gente que gosta de nós e que nos acompanha. Os Veinless não somos só nós cinco, temos gente que nos tem ajudado
muito em vários níveis: no merchandise,
no aluguer do estúdio, no grafismo, na elaboração do vídeo, etc. No primeiro
álbum, fomos nós que fizemos tudo, toda a produção foi nossa. E tivemos
críticas boas a todo esse trabalho. O primeiro álbum foi muito nosso e este
também vai ser assim.
Para lançar um álbum em Portugal, cada vez mais, o caminho é
sermos auto-suficientes, não depender de editoras, de managers, não depender de nada. Claro que dá trabalho, chatices,
dores de cabeça e, muitas vezes, fazem falta determinados conhecimentos. Neste
momento, não temos manager, tratamos
de tudo. E do vídeo também fomos nós que tratámos, que está a ser feito pelo
nosso amigo João Pina. Felizmente, temos muita gente a ajudar. É assim a música
em Portugal: é preciso muita paixão, muita dedicação e muita paciência.
SFTD: E em
relação às temáticas exploradas? Mantêm-se as do álbum anterior?
A.B.: Continuo a ser eu a escrever as letras e as temáticas vão
desde a crítica social, como no tema Basta,
Besta (só o nome já diz alguma coisa), até a um tópico que é tabu: a
eutanásia. Passa por outra temática que é a do imaginário de Johnny, the real, personagem que aos 17
anos já vendia droga para sustentar a família. Passa pela realidade social, e
passa também pela toxicopedência. Portanto, é um álbum muito focado, mais uma
vez, nas questões sociais. Fala-se também do dia-a-dia, de ter que se lidar
sempre com a mesma rotina, de viver aprisionado, de ser artista numa sociedade
com as características da nossa.
SFTD:
Mas o
álbum também deixa passar algum otimismo em relação a estas questões? Também
apela ao combate e à reação, ou transmite só a mensagem de alerta?
A.B.: Tem as duas componentes: de alerta e de reação. Não vale a pena só lamentar e dizer que está
mal. Também desperta. O Wake up
transmite essa ideia de despertar, de aprender a ver as coisas de outra
maneira, de não se deixar seguir pela carneirada. Cada um de nós é uma
superpotência (há aqui um pouco também de esoterismo), tem que se conhecer a sim
mesmo, tem que se trabalhar por dentro. A solução não é reagir da mesma forma como
nos atacam. É preciso passarmos a ver o mundo de outra maneira e a criar as
coisas também de outra maneira, e resolveremos tudo de modo diferente e, se
calhar, mais simples.
SFTD:
Sabemos
que és grande apreciador de Literatura Portuguesa, especialmente de poesia.
Estes autores que te acompanham nas tuas horas de lazer, e também de trabalho, estão
presentes neste álbum?
A.B.: Não estão presentes com a poesia deles mas quero acreditar que
estão presentes com alguma influência na escrita de muitas coisas. É engraçado
que ganho sempre alguns vícios de cada um deles. Quando fiz “Uma noite com
Fernando Pessoa”, no Cine Incrível, escrevi muitos poemas onde se podia identificar
a presença de Alberto Caeiro, que é o heterónimo de que mais gosto. O próprio
Pessoa dizia que ele é que era o mestre… E o Almada Negreiros também. O tema Basta, Besta é um bocado Almada
Negreiros e A Cena do Ódio. Sim, sem
dúvida que estão presentes. Era um bocado impossível não estarem. Quando
declamas alguém, tens que sentir o que eles sentiram.
SFTD:Têm
planos para concertos brevemente?
A.B.: Por enquanto não temos nada. A ideia é focarmo-nos na gravação
do álbum e do vídeo, e então, quando tivermos tudo pronto, começarmos a abrir
portas. Há sítios onde gostaríamos de ir e onde nunca fomos. Gostávamos de ir a
alguns sítios em Lisboa: o RCA Club, a República da Música, o Sabotage, são
sítios onde gostaríamos de ir. O Side B, também, sempre que nos quiser lá. E o
Cine Incrível… é praticamente a nossa casa. Gostam de nós, acarinharam-nos e
apadrinharam-nos, desde sempre.
SFTD: E é
fácil encontrar sítios para tocar neste momento, fora desta zona (Margem Sul),
onde já são conhecidos?
A.B.: Fazer uma tournée em
Portugal é muito dispendioso. Nesta zona, para nós não é muito difícil de
arranjar concertos. O que nós queríamos era sair daqui e isso é mais complicado
porque pôr uma tournée a andar custa
dinheiro. Fomos, por exemplo, a Portalegre porque havia um equipamento
camarário e havia algum apoio financeiro. Puderam apoiar-nos com as refeições,
fomos muito bem tratados e bem recebidos mas, só com portagens e gasolina, não
tirámos nada para nós. Eu acho que também tem a ver com o estilo de música.
Infelizmente, em Portugal, o que é popular não é o metal, nem o gótico, nem
o punk, nem o rock, nem nada do chamado alternativo. Felizmente, vão surgindo
alguns locais, como o Side B, que se tornou um local de passagem mesmo para
bandas internacionais em tournée, e
consegue manter-se, com muito trabalho, eu sei. Surgiu o RCA Club e a República
da Música, o Popular Alvalade… Fecharam algumas salas, como o Ritz Club, sala
espetacular. Aqui em Almada, temos, felizmente, o Cine Incrível, o Ponto de
Encontro, a SREF (onde ensaiam, atualmente, nove bandas de estilos variadíssimos
e que tem concertos quase semanalmente), e o Cineteatro do Ginásio Clube de
Corroios. Ainda se vão conseguindo alguns espaços para tocar.
SFTD:
Finalmente,
como apresentarias o novo álbum?
A.B.: Mais português, com crítica social, com alguma mística nos
temas, com uma analogia com o nome. E esperem… que não vou abrir mais o jogo.
Entrevista: Sónia Sanches
Fotos: António Gaspar
Agradecimentos: Ao Cine Incrível, pelo
espaço gentilmente cedido.
Lê também: Reportagem Veinless no Cine Incrível