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13/12/2019

[Report] Lisboa rendida à evangelização dos GHOST


Apenas sete meses depois de abrirem para Metallica no Restelo, os Ghost regressavam a Lisboa, à mesma sala que encheram em 2017, ainda no reinado do Papa Emeritus III, agora esgotando-a bem antes da data, desta feita com o Cardinal Copia como rosto e mestre-de-cerimónias da soturna celebrarão eclesiástica. 

Sete meses depois, agora em nome próprio, prometiam uma set list mais abrangente e espaço para presentear os fãs nacionais com o EP Seven Inches of Satanic Panic. Antes da sua celebração da palavra, haveria a oportunidade de assistir ao regresso a Portugal dos suecos Tribulation e a estreia dos norte-americanos All Them Witches.

A enorme expectativa para os concertos da noite era desde logo verificada pela longa fila de fãs que ainda bem antes das portas da Sala Tejo da Altice Arena se abrirem aguardavam junto das mesmas.




Regressados à capital nacional depois de já em 2018 terem trazido o ultimo trabalho, Down Below, aos fãs nacionais, dessa feita em tour com os Insomnium, os Tribulation prometiam mais uma intensa actuação pairando na corda banda sobre a fronteira entre o metal underground e a sua faceta mais mainstream.

Com pontualidade, eclodem por entre o incenso e as luzes, a parte cénica é algo que tem sempre peso nas suas actuações, e soltam os primeiros acordes de ‘Nightbound’ ainda com o público algo disperso mas congregando muitos seguidores junto os palco. O curto tempo de actuação permitiria apenas que a viagem tivesse passagem pelos dois últimos registos, Down Below e The Children of the Night, por onde seguiriam com ‘Melancholia’.

Os vocais crus e as guitarras claustrofóbicas compondo melodias sui-generis , desferindo golpes cativantes que pintam imagem vívidas de terror, num esforço de composição dinâmico das suas músicas, arrastaram também os desconhecedores para junto do palco que acabam por se entregarem ao seu som acompanhando com aplausos e com o serpentear dos corpos.



O guitarrista Jonathan Hultén é por si só um espectáculo dentro do próprio espectáculo, brilhando na guitarra, bailando pelo palco inteiro sem parar, excepto nos sucessivos momentos em que procura a pose para a foto, imortalizando imagens nas câmaras e no pensamento dos presentes.



Com rigor e entrega aqueceram a noite fria nos cerca de 40 minutos de actuação dos quais não podemos deixar de destacar ainda o single ‘The Lament’ e o tema com que findaram, ‘Strange Gateways Beckon’.



Em estreia, os All Them Witches chegavam à capital com 5 álbuns na bagagem. Um conjunto que se formou apenas em 2012 mas que tem sido dos mais produtivos dentro do espectro stoner e psicadélico, e onde cabem influências do metal e dos blues, com momentos repletos de um feeling rock de garagem.

Com a casa cheia soltam as primeiras notas na companhia dos aplausos do público. Especialistas em compor ambientes, a sua música é pulsante, criando uma certa sobrecarga sensorial entre os que assistem. Baixo e percussão latejante, guitarra bem reverenciada deslizando entre os vocais, a própria matriz do seu som não permite manifestações muito tempestuosas. Clima pensativo, contemplativo e não propriamente melancólico, mas nenhuma música finda sem ser merecedora dos muitos aplausos.



A set list percorreu a discografia vincando sobretudo os álbuns Lightning at The Door e ATW, numa actuação em crescente onde foram capazes de fazer penetrar a sua música na plateia e desbloqueando cada vez mais corpos no embalo dos seus riffs à medida que a actuação avançava.



Existe uma imensidão de bandas a tentar capturar uma atmosfera que nos envolve lentamente numa prazerosa incerteza e escuridão, mas os All Them Witches fazem-no com uma subtileza e intensidade que poucos reproduzem e que conseguiram naquela sala transportar do estúdio para a plateia com classe.




A tela negra à frente do palco escondia o que se preparava por detrás e fazia crescer uma ansiedade galopante impossível de contrariar e que levou a um momento de êxtase generalizado assim que tombou e o Blasfemo conjunto surgiu.

Prequelle foi o álbum que abriu a antítese eucarística começando por ‘Ashes’ e seguindo logo por ‘Rats’, colocando de imediato todos os corpos a mexer e as vozes a cantar.

E por falar em voz, a maturidade da voz de Tobias é uma mais-valia que este seu alter-ego Cardinal Copia traz para cima de palco, um perfeito exemplo disso foi a malha ‘Faith’.



Comunicador exemplar, os sucessivos momentos de pausa para dialogar com a plateia contribuem significativamente para aproximar os dois polos da sala, criando um ambiente de boa disposição, reforçando também assim a ironia presente nas suas letras, caminhado solidamente numa linha entre a paródia e as emoções fortes.

Sem dúvida que o charme dos alter-egos que Tobias tem criado ao longo dos anos são uma parte significativa do sucesso dos Ghost.




O EP Seven Inches of Satanic Panic estreava-se em Portugal com a “música que o Papa costumava cantar” ‘Mary on a Cross’, e voltariam ao referido EP já perto do final.

Seguindo-se um alegre duelo de guitarras em ‘Devil Church’ em que os ghouls interpretam personagem que se disputam e galvanizam a plateia, aliás em palco todos os músicos tem uma encenação a executar, uma história a narrar que torna o espectáculo ainda mais dinâmico, rico em focos de atenção e que juntando a todo o cenário, produz momentos que poderiam ter saído de uma encenação musical da Broadway.



Com o público visivelmente rendido, a imprescindível ‘Cirice’ arranca com o impulso dos fãs, cantada em plenos pulmões como, faça-se justiça, a generalidades das malhas tocadas, os muitos momentos catchy nos temas também para isso contribuem.

A sucessão de temas seguintes percorreu a sua discografia sempre acompanhada por vários momentos de encenação, haveria de se ver o Papa a tocar saxofone em ‘Miasma’, mascaras da peste, o Cardinal Copia de bicicleta, um desfilar de trajes do mesmo, só para destacar alguns que se imortalizaram no pensamento dos presentes.



Os fãs quanto não dispunham da oportunidade para soltar a voz acompanhavam com palmas os momentos instrumentais, e foi neste ambiente de comunhão que já perto do final se ouviu com emoção ‘He Is’ antes de se seguir uma sequência de músicas destinada a queimar as energias remanescentes e colocar multidão a dançar.

Iniciando no peso de ‘Mummy Dust’ passando pelos hipnóticos ritmos de ‘Kiss the Go-Goat’ e ‘Dance Macabre’. Para fechar a malha ‘Square Hammer’, um clássico que deu a conhecer a banda a muitos distraídos quando o EP Popestar eclodiu em 2016.



De fora da set list a muito aclamada ‘Monstrance clock’ e muitos outros hinos, nomeadamente dos poucos revisitados Opus Eponymus e Infestissumam. 

Os 20 temas tocados já não chegam para agradar plenamente a todos tão vasta é já a sua discografia no que toca a grandes canções.


Cumprindo com sucesso a missão de evangelização em Lisboa através da blasfémia ironia, prestada a homenagem às sonoridades anos 70 e 80 e saciada a sede dos fãs nacionais, os Ghost prosseguem com a The Ultimate Tour Named Death.

Em Portugal a prova de vitalidade e de conquista que deixaram são uma certeza que os veremos de volta, cada vez em palcos maiores.


Texto: Henrique Duarte

Fotos: Joana Marçal Carriço | Todas as fotos AQUI (em actualização)

Agradecimentos: Prime Artists