A noite foi chuvosa na cidade de Lisboa no passado dia 31 de Março, mas isso não demoveu uma multidão que anunciava casa cheia no RCA Club para uma noite metal progressivo, que prometia ser mágica e memorável.
21:30 e nem mais um minuto, os finlandeses WHEEL dão as boas vindas à plateia com os primeiros acordes de ‘Vultures’, tema do seu mais recente trabalho “Moving Backwards”.
O ambiente recriado, a luz em tons de púrpura e um público atento e expectante foram o toque inicial de um gig surpreendente e intenso.
Com base no metal alternativo dos seus EPs anteriores magistralmente trabalhados, a banda acrescenta uma competência progressiva mais proeminente ao seu som.
A voz gutural e melódica de Lascelles, os riffs pesados de guitarras inventivas, afinadas e complexas e uma intrincada bateria, são facilmente identificados por qualquer apreciador de rock ou metal progressivo. Juntando a isso músicas ambiciosas em duração, temos todos os componentes do som típico dos WHEEL...
‘Tyrant’ é a malha que se segue e é interessante ver a excitação do público que testemunhava um som que nos lembra os registos progressivos de Tool e Karnivool. Cada elemento da banda detém o domínio sobre o seu instrumento e exala um estilo e carisma incomparáveis.
Para nossa felicidade, o som na sala estava excelentemente trabalhado e alto, de forma a fazer tremer o chão e percorrer-nos o corpo, dos pés à cabeça (que é como se quer neste género de gigs).
Já nos habituámos à qualidade das bandas formadas nos países escandinavos e no terceiro tema, os Wheel já nos tinham confirmado que fazem parte desse rol.
A banda termina a sua atuação com ‘Wheel’ onde James Lascelles com uma entrega vocal mais impetuosa, a criatividade requintada dos restantes elementos, Santeri Saksala (bateria), Roni Seppänen (guitarra) e Mikko Määttä (baixo).
Um set curto, mas que demonstrou estarmos perante uma uma força viva a ser levada em conta.
Durante os 15 minutos de intervalo, conseguia perceber no público os rostos de satisfação e comentários de surpresa e agrado, alguns pesquisavam nos smartphones mais detalhes da banda e outros ainda passaram pela zona do merchandise para adquirir o álbum e/ou t-shirts.
E conforme o programa exigia, 21:45 a próxima banda do cartaz entra em cena.
Os GHOST IRIS são um do expoentes máximos do cenário atual do Metalcore. Vindos da Dinamarca, a banda foi considerada um fenómeno pela proeza de ter o álbum de metal Dinamarquês com mais streams no Spotify em 2016.
Com excelentes críticas na Metal Hammer e KERRANG! sobre os seus dois primeiros álbuns, os GHOST IRIS lançaram este ano o seu terceiro trabalho "Apple of Discord", que os conduziu para uma nova tour este ano. E foi precisamente nesta tour que eles vieram conhecer e dar-se a conhecer ao público português, tocando como uma das bandas de suporte dos Soen!
A banda explode em palco com o tema ‘The Rat & The Snake’, precisamente do mais recente álbum, que transmite de imediato uma corrente de energia à plateia. Com um som potente era difícil não nos deixarmos contagiar e unir-mo-nos em comunhão com a banda.
Nicklas Thomsen e Denis Nielsen no baixo são também as segundas vozes, Sebastian Linnet na bateria e Jesper Gün na voz principal exibiam e envolviam-nos no seu lado Modern Metal e ‘Devil’s Plaything’ foi um exemplo disso mesmo.
Com ‘Paralell passage’, tema do álbum Anecdotes of Science and Soul de 2015, é certamente um dos temas mais complexos e soberbos da banda, uma mistura de metalcore e djent, com algumas abordagens ao progressive metal.
Só tenho pena de não terem transferido toda a qualidade que têm em estúdio para o palco, o sentimento é bem diferente, principalmente no que toca às segundas vozes. Porém é claramente uma banda a explorar, pois são geniais dentro do seu estilo.
Um cartaz com carimbo de esgotado, marcou a passagem dos SOEN pela quarta vez em Portugal, a terceira no RCA Club.
23h e ‘Covenant’ é a primeira pincelada de um quadro que vão desenhando musicalmente ao longo de aproximadamente 1h30m. A presença deles no palco vem com enorme respeito pelos momentos das músicas, o vocalista Joel Ekelöf recua no palco para que a música seja levada ao centro das atenções. Lars Åhlund chega-se à frente do palco quando não usa as teclas e toca a guitarra com extravagância, arrebatando o público com momentos fantásticos. Nos lados do palco, Cody Ford (guitarra) e Stefan Stemberg (baixo) criam uma fantástica exibição de força delicada, mas intencional. Martin Lopez (ex Opeth) está escondido atrás de um monstruoso kit de bateria, que ocupa praticamente metade do palco. O palco fantasticamente iluminado e preciso, deixa o público ligado no quadro que os SOEN iam desenhando e pintando.
O set foca-se fortemente nos dois últimos trabalhos, inclinando-se obviamente no mais recente, Lotus, e apenas com ‘Tabula Rasa’ do álbum Tellurian a entrar neste set principal.
Um público com altos padrões entoava as músicas como se de um coro se tratasse e, no final de cada, aplaudia efusivamente. Joel e companhia não conseguem evitar sorrisos de regozijo entre si.
Na maior parte do tempo, a seleção das músicas de Lotus e de Lykaia é fascinante, a composição musical é impecável, o som na sala estava perfeito para aqueles momentos mais intimistas. ‘Opal’ foi para mim o tema mais impressionante... Inesquecível!
Quando a pintura está completa, Joel anuncia a última música ‘Slithering’ levando a plateia a gritar num quase uníssono “NÃO”. Custava efetivamente terminar uma noite que não devia acabar, sem mais umas quantas músicas. O RCA Club estava ao rubro, com 350 fãs atentos e deliciados com o momento que SOEN nos proporcionava.
Pois, não nos desiludiram e subiram ao palco novamente, oferecendo-nos um encore brutal, ‘Savia’ do seu primeiro álbum Cognitive, ‘Sectarian’ ainda de Lykaia e para então encerrarem a sua prestação, o magnífico ‘Lotus’, era impressionante ver a sala em silêncio, apenas para os ver tocar e cantar... Lindo.
A viagem para casa pareceu ter sido num piscar de olhos, enquanto eu pensava “SOEN é deveras algo especial, quer em estúdio quer em palco e que magnífico concerto acabei de assistir”, um sentimento partilhado por muitos, certamente.
Com algo tão mágico como foi esta noite, esperamos que para o próximo ano, com um novo trabalho, se apresentem novamente entre nós.
SOEN é provavelmente uma das melhores decisões que se devem tomar, quando se trata de ir a um concerto.
Parabéns e agradecimentos à Free Music pela excelente organização
Texto: Mário Ruy Vasconcelos
Fotos: Joana Marçal Carriço