A República da Música em Lisboa presenciou no passado Sábado, 19 de Julho, a mais um momento que marca a história do metal, assim como do underground português.
Apesar de terem começado esta aventura em 2012, os Primal Attack, ganharam energias e formaram-se na estrada, deixando para trás o rótulo de projecto pós- Seven Stitches que até agora servia de ponto de referência no curriculum do vocalista Pica. «Humans» era portanto o resultado que muitos esperavam, e uma consagração de uma banda que têm tudo para se afirmar num meio onde as sonoridades com base em algum Groove/Thrash-Metal parecem prosperar e ganhar uma base de fãs solidas, como se verifica com alguns dos restantes nomes que preencheram o cartaz.
Coube aos Kapitalistas Podridão a honra de abrir o que se considera um cartaz de luxo, neste meio que cada vez mais chega a públicos diversos, naquele que foi o seu concerto de estreia. Com uma grande vertente política e ideológica tanto nas suas letras, assim como no discurso perante o público, a banda arrasou uma sala ainda a compor-se, com um Death Metal em português que desde cedo despertou o interesse da audiência.
Uma introdução com algumas das vozes do nosso dia-a-dia politico, desde o ex-Primeiro Ministro Sócrates ao mais recente ( e já ex!) Ministro das Finanças Vitor Gaspar, deixando bem claro o alvo de temas como «Sanguessugas Esturpadoras» e «Podridão Nacional», como podem assistir nos vídeos que o SFTD gravou para vocês. Descalço e de tronco nu, Bixo de facto demonstrou-se um animal de palco, que se atirou às feras sem medo. A experiência de outras andanças fez-se notar, e até mesmo nesta rampa de lançamento a banda de Grândola não cedeu um milímetro num concerto que entrou facilmente no goto daqueles que fizeram questão de chegar cedo.
As faixas enfeitaram a rigor, e o cuidado em optimizar o som do P.A. só demonstrou empenho naquilo que fazem : fossem assim todas as primeiras vezes e a natalidade nacional teria outros valores... Uma performance de grande eficácia.
Há uns meses, os Diabolical Mental State tinham estado presentes na mesma sala, no lançamento do novo álbum dos Steal Your Crown, onde jogaram como possíveis outsiders, conseguindo ultrapassar essa barreira com alguma facilidade. Desta vez a realidade era outra. A sonoridade não podia estar mais de acordo. Sem assumir o protagonismo do conjunto da Moita, os DMS são a pouco e pouco siglas a decorar e muito se deve às suas performances entusiastas onde o dinamismo e a constante procura de interacção com o público faz aumentar a temperatura de qualquer recinto. O suor em palco fora superado pelo frenesim montado no mosh, onde a par e passo começava o bailarico a acontecer.
«Warfare» comprovou-se mais uma vez o pico do seu concerto com direito a um coro na frontline, dando ideia que a experiência obtida no meio da malta do hardcore criou frutos.
Diabolical Mental State |
Revolution Within |
A zona centro já tinha saudades dos Revolution Within. Outra estreia, desta vez em relação à sala, a banda deslocou-se a terra de mouros e sem contenção provou, mais uma vez, o porquê de «Straight Within» ser um álbum obrigatório. Os poderosos riffs que fluem das guitarras culminam numa pujante prestação vocal de Raça, que faz jus ao nome. «Pure Hate» madrugou na setlist, o que fazia prever um concerto sem espinhas e em contra-relógio. O single obteve reacções automáticas sendo que temas como « Straight From Within» e «Bleed» confirmações de mérito próprio.O primeiro grande momento, de uma noite de cariz quase familiar, coube à subida de Hugo ( Switchtense) para a já previsível «Pull the Trigger». As movimentações mais uma vez intensificaram-se, e a comunhão dos dois colossos é tão grande que de facto as semelhanças de ambos, desde os tiques de palco aos sufixos -alhos, sempre presentes, faz mesmo crer que temos dois irmãos de pais distintos. A humildade de ambos será eternamente um ponto que favorece a proximidade que estes conseguem com o seu público. Faz levantar a questão, de onde vem aquela raiva poderosa que preenche as letras de ambos?
Recuando uns aninhos ao álbum de estreia «Collision»,«Silence» não ficou de fora «Stand Tall» teve mais uma vez direito ao tradicional Wall of Death dando por terminado um concerto que pecou pelo tempo. A noite era de festa, e o foco era outro. No entanto, a audiência não desdenhará certamente uma possível passagem de futuro da banda à capital.
Revolution Within c/ Hugo Andrade |
O traçado da banda oriunda de gentes da Moita ajudou a desbravar muito do que é hoje a realidade do metal nacional, e muito concretamente neste sub-género em questão. Não é por acaso que dificilmente se fala das restantes bandas sem fazer referência aos Switcthtense, que se com «Confrontations of Souls» abalaram, e «Switchtense» serviu de confirmação, o mais recente «X Unbrekable Years» cheira a consagração. A verdade é que não há qualquer tipo de vergonha em afirmar o seu sucesso.
Se muitos apontavam o estrangeiro como o futuro possível da banda, numa epopeia semelhante aos Moonspell, hoje nasce a dúvida se a sua mística não passa pelo seu reinado incontestável em território underground lusitano onde são réis legítimos e com o aval do povo.Curiosamente, este concerto serviu de estágio para o maior festival metal/hardcore da Península Ibérica em 2013, o Resurrection servirá certamente de montra, assim como para os compatriotas For the Glory e Devil in Me. Pelo que se tem testemunhado, os espanhóis não ficarão certamente indiferentes.
«Face Off» abriu uma sequência que soa a best of, onde os timings da setlist estão feitos de forma a maximizar a experiência do público, quer no mosh como fora dele, onde o sing along e o headbanging foram constantes. «Second Life», do primeiro álbum «Confrontations of Souls» seguiu-se de rompante, mas «Right Track» ultrapassa o nível de euforia, revelando que no caso dos Switchtense, melhoram a cada passo, não ficando presos a temas incontornáveis como « State of Resignation», distribuindo doses de violência sonoroda (no bom sentido) nos singles «Unbreakable» e no velho hino «Into the Words of Chaos».
Neto é um guitarrista super carismático, mas a musicalidade de Pardal, Karia e a qualidade técnica de Xinês (que também o prova no seu novo projecto Awaiting the Vultures) enchem a sala numa atmosfera caótica e por vezes mesmo apocalíptica criando momentos de grande intensidade nos sucessivos circle-pits.
Switchtense |
Na voz, pouco mais se pode acrescentar ao que fora dito diversas vezes: Hugo é um pujante colosso que irradia uma aura de grande humildade, deixando bem claro que isso nunca mudará ( «We Will Always be the Same»).
«Infected Blood», em tom de despedida vitoriosa, catalisou a multidão a libertar as restantes energias ao fim de um concerto devastador que provou ser o grande ponto a favor na composição do cartaz.
Os senhores (mestres-de-cerimónia) da noite no entanto eram outros.
Primal Attack |
Primal Attack é sinónimo de banda em ascensão. Comecei o texto com uma arriscada introdução onde falo de história, «Humans» é o primeiro passo oficial para credibilizar a banda que aos poucos têm passado de preencher, a criar interesse próprio por parte do público.
Muito se escreve sobre o vocalista, deixando no ar uma certa descredibilização perante o colectivo.Miguel Tereso e Tiago Câmara têm um leque de riffs de um groove que prova qualidade na facilidade em entrar no ouvido, algo que no groove deve ser um aspecto de valor.Miguel Miranda e Miguel Tereso ( ena tantos Migueis!) enchem o ambiente com o poder dos graves do baixo e bateria como se verifica por exemplo em «Time to Reset».
O alinhamento do concerto por razões obvias, não fugiu ao previsto, sendo que «Humans» fora tocado num registo de principio ao fim. 8 temas de grande intensidade, onde «Despise You All» mais uma vez com o convidado de serviço, Hugo, teve a melhor reacção por parte do público que aplaude as demonstrações de carinho e amizade que só o underground proporciona.
Primal Attack |
Os temas foram sido postados nas redes sociais ao longo do ultimo mês, num hype frenético que antecipava este momento. «Mindwalker» , «Not Enough» e «Time to Reset» não faltaram mais uma vez, mas a surpresa passa pela estreia de «Road to Nowhere».
Pica não soube esconder o entusiasmo ao longo da actuação, e mais uma vez demonstrou o porquê de ser um frontman que fica na memória do público. «No Respect» servido na despedida numa bateria avassaladora, puxa pelo corpo, não tento qualquer tipo de piedade ou misericórdia pelos presentes. Um encore mais do que merecido repetiu a oportunidade de ficar afónico ao som de «Despise You All», tema chave do pequeno mas promissor reportório dos Primal Attack.
Noite de celebração na República da Música onde o Groove Metal, de grande qualidade, demonstrou que o metal de grande qualidade não é coisa além fronteiras.
Mais uma vez, a Hell Xis premiou o público com esta oportunidade de conseguir seguir de perto grandes bandas sem os clichés, ou valores acima de muitas bolsas como se verifica nos festivais do circuito de Verão.
Texto/Vídeos: Tiago Queirós