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03/06/2017

[Report] Guns n' Roses Not In This Lifetime Tour @ Lisboa

Os ecos de Alvalade perduraram no tempo. Quem lá esteve garantiu que o momento fosse eternizado, transmitindo de geração em geração um dos episódios mais caricatos da história dos grandes concertos em Portugal.

Desde então muito se passou na carreira da «banda mais perigosa do mundo».
A separação destes titãs do hard rock foi durante muitos anos conhecida como irreversível. A dificuldade em materializar Chinese Demoracy tornou-se anedótico e Axl Rose demonstrava-se uma sombra do que já fora, mantendo apenas o seu carismático feitio de rockstar que era apenas suportável pela dimensão abismal que os norte-americanos tinham alcançado algures entre Appetite for Destruction e Use Your Illusion I e II.

A apenas um mês de se comemorar as bodas de prata da mítica estreia em Portugal, os G'n'R apresentaram-se em Lisboa num recinto esgotado.
O mesmo que em 2016 deu a conhecer ao mundo um Axl Rose a preencher a vaga de Brian Johnson nos AC/DC. Um momento amplamente aplaudido pela imprensa internacional e que de alguma forma até veio a tirar ribalta ao tão aguardado comeback que, com os seus 2 milhões de bilhetes vendidos, não deixou de ser a tour mais bem sucedida do ano.

Numa altura em que ainda se chora o trágico desaparecimento de Chris Cornell olhamos para aquele cartaz do verão de 92 (que contava com uns jovens Soundgarden e Faith No More) e não podemos deixar de sentir alguma nostalgia.
No entanto, em 2017 as quase 60 000 pessoas que marcaram presença no Passeio Marítimo de Algés não se demonstraram particularmente entusiasmadas com os actos de primeira parte e, em boa verdade, essa realidade não pesou em nada no julgamento final...

Tyler Bryant and The Shakedown das duas vezes que passam por Portugal serviram-se de multidões que não as que lhes «pertencem» mas nem por isso fez um mau trabalho. O rock'n'roll cheio de riffs blues e uma noção de entertainement que justificam bem as aberturas para históricos como Aerosmith, ZZ Top, Jeff Beck e AC/DC que nos deu a conhecer a banda de Nashville no ano passado numa tarde chuvosa mas não menos animada.
Sessão de virtuosismo de um guitar hero em ascensão. Talento nato e evidente. As escalas blues e os riffs contagiantes encaixaram bem como soundtrack das primeiras imperiais num ambiente de grande disposição entre os milhares que se iam aglomerando no recinto.

Já o lendário Mark Lanegan não conseguiu cativar um publico mais interessado em contar os minutos e lançar countdowns para o ar do que absorver a imensidão da voz de uma das ultimas lendas do grunge.
Mark Lanegan Band não são os Screaming Trees e já esses, realisticamente falando, talvez não fizessem melhor do que o que fora tentado.
A mais ou menos uma hora do headliner, este concerto tornou-se uma mera formalidade protocolar que ambas as partes, quer público como músicos, respeitaram e cumpriram com diplomacia mas sem as conhecidas recepções calorosas que afamam o publico português.
A primeira grande surpresa da noite fora mesmo a pontualidade com que nos ecrãs junto ao palco se fizeram ouvir os primeiros tiros de partida do que seria uma maratona de clássicos. Especialmente depois da seca que a «Axl e amigos» nos proporcionaram no Pavilhão Atlântico...
O jingle dos Looney Tunes e a intro que se lhe seguiu fez disparar níveis de adrenalina aqueles que esperaram, estilo São Tomé, ver para crer.
Not in this Lifetime Tour ironicamente espelha bem a ideia que durante algum tempo pareceu dogmática.

As discussões sobre Showbusiness, ou não, ficam para depois quando em palco temos finalmente Axl Rose, Slash e Duff McKagan.
Dificilmente se dá uma falsa partida quando a começar se lançam logo jokers como «It's So Easy», «Mr.Brownstone» e «Welcome to the Jungle», apenas cruzado com «Chinese Democracy», relembrando o porquê de Appetite for Destrution ser ainda dos álbuns mais importantes da história do rock mundial.
Guns N’ Roses Setlist Passeio Marítimo de Algés, Oeiras, Portugal 2017, Not in This Lifetime
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(c) Jorge Amaral (global Imagens)

Na selva de Rose não se questionou quem era rei. As constantes investidas pelo palco provaram que o capitulo que se cruzou com o Rock in Rio 2006 está enterrado. Apesar de longe da figura sex-simbol que outrora fora, o frontman demonstrou-se bem fisicamente e bastante maduro e profissional em gerir a sua voz evitando os excessos que facilmente poderiam demonstrar lacunas (notas altas, alguns falsetes etc..).

«Double Talkin Jive» e «Better» abrandaram o excitamento dando lugar ao primeiro momento mais melancólico com as famosas linhas de Slash em «Estranged». Um momento arrepiante que nem o vento soube nos roubar.
Seguiu-se a maior sequência hard rock com «Live and Let Die» (cover dos Wings), «Rocket Queen», «You Could Be Mine» e «New Rose» (cover The Damned interpretada por Duff McKagan com «You Can't Put Your Arms Around A Memory» a servir de intro).
Não faltaram air-guitars e air-drums, cerveja entornada e vozes esganiçadas. Por breves momentos reviveram-se os anos 90.
(c) Jorge Amaral (global Imagens)
Se «Civil War» e «Coma» foram épicos muito aplaudidos já «This I Love You» fora o único momento que realmente se denotou como um filler de uma setlist que não precisava. Entre as duas uma versão sentida, melhor do que a que circula nas redes sociais, de «Black Hole Sun» dos Soundgarden. Uma óbvia e merecida homenagem.
Sempre um foco das nossas atenções, Slash passeou o seu virtuosismo pelo palco mas teve particular brilho quando se focaram as atenções no seu instrumental que nos transporta para o mundo de Copolla e Mr.Corleone. Um momento que nos relembra o porquê de este ser talvez o último verdadeiro guitar hero e que para a história ficará a par de um Jimmy Page. Certamente muitos marcaram presença exactamente para desfrutarem dos seus solos de guitarra que, técnicos ou não, continuam a perdurar no tempo como muito pouca banda o poderá alcançar nos dias que correm.
(c) Jorge Amaral (global Imagens)
A passagem para «Sweet Child O'Mine» fez surtir, sem surpresa, a maior explosão de euforia de um público que debitou a letra na totalidade, almofadando os vocais de Axl. A sessão de karaoke até pode ter parado com «Out Ta Get Me» mas voltou em força com «November Rain» ( e ainda antes com o público a cantar «Wish You Were Here» dos Pink Floyd).

O vocalista, que fez jus à tradição de mudar de indumentária num número de vezes incontável, sentou-se no piano e junto aquelas dezenas de milhares cantou em uníssono um dos singles de maior sucesso de ambos Use Your Illusion.

Com o comboio prestes a arrancar para outra paragem, «Night Train», cheio de referências aos excessos que achamos pertencerem ao passado, os Guns N'Roses despediam-se dos portugueses.

Faltavam, talvez, Izzy Stradlin e Steven Adler para tornar esta reunião um pouco mais especial mas dificilmente teriam feito melhor que Richard Fortus na guitarra, Dizzy Reed e Melissa Reese (a única menina na historia da banda) nos teclados e Frank Ferrer na bateria.
Obviamente que ainda houve tempo para encore...

O assobio que partia corações não ficou de fora e «Patience» pode não ter tido muitos isqueiros mas teve vários lives nos facebooks e instagrams.
Momento personalizado para Lisboa, e facilmente se percebe o porquê, fora a inclusão de uma «Whola Lotta Rosie». Lisboa poderá ficar na memoria de Rose como palco de uma das suas muitas birras mas também será sinonimo de um dos momentos mais especiais na sua carreira. Ficou bem explicito.

A terminar: «Paradise City» , what else? O hino de estádio com direito a pirotecnia e confettis. Saltos e mesmo saudaváis moshs. A despedida foi em tom de festejo por se ter assistido a um belíssimo exemplo do que é uma grande produção.
(c) Jorge Amaral (global Imagens)
Quando se joga com uma setlist destas dificilmente poderíamos sair frustrados ou descontentes. A banda fora extremamente profissional, longe do que esta formação demonstrou quase 25 anos atrás.
Os Guns são hoje uma banda madura e extremamente bem oleada. Do passado rezam lendas de excessos e histórias que certamente evitarão contar aos netos mas nós que as seguimos sonhámos mais alto com as suas aventuras. Os Guns N'Roses, estes que assistimos no Passeio Marítimo de Algés, são rockstars como já não se fazem e ficou bem claro que são largos os milhares que sentem saudades da sua ousadia e irreverência.
Valeu a pena pagar o preço nem que seja como forma saudosista de recordar colectivamente uma carreira que o pico já passou as cuja sua intensidade se manterá por muitos anos.

Slash, Duff e Axl não pediram desculpas. Provaram o porquê de serem merecedores do perdão dos portugueses e proporcionaram um dos melhores concertos do ano à data.


Texto: Tiago Queirós
Fotos: Nuno Santos / Jorge Amaral (global Imagens) onde identificado

A SFTD não teve acesso ao photo pit para a habitual reportagem fotográfica sendo as fotos abaixo cedidas pela organização (Everything in New):




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