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08/05/2013

[Report]Lisboa Negra com Capitão Fantasma, Corpus Christii e Atentado @ Rep.Musica 3/5/2013

Cada vez mais é notável uma certa acomodação por parte das promotoras nacionais em relação aos cartazes que apresentam. Temos inúmeros exemplos de repetições de baixo risco, mesmo nos maiores festivais, e linhas de estilo bem definidas, quer a nível de género musical em si como no público estereótipo. Se formos a ver bem, podemos concluir que existe um princípio elitista, no sentido de afunilar o público-alvo, quer nos grandes como nos pequenos círculos do mundo da música ao vivo. Dias de metal, de electrónica, festivais hipsters da moda, até já temos festivais apontados consoante o nível de escolaridade como o Festival do Secundário e as famosas Festas Académicas / Queimas… Em comum têm o facto de não primarem pelo risco, pela originalidade e pela diversidade. Pelo contrário, o Lisboa Negra, acima de tudo, vale por isso mesmo.

A promotora Hell Xis é já consagrada há tempo suficiente para se demonstrar credível, ao contrário de exemplos infelizes que verificámos nos últimos tempos, sendo de facto surpreendente o nível de ambição da mesma ao querer juntar tamanha diversidade numa grelha fora do comum. Nunca se duvidou da veracidade deste cartaz, mas a expectativa em relação ao resultado ultrapassava a existente em relação à própria prestação das bandas em si.
Passava então das 21 horas, num final de semana suado, de trabalho para uns e resultado de uma meteorologia favorável para outros.
A digestão de muitos estava ainda a começar e ficou seriamente em causa face ao poderio de som que os Atentado trouxeram para a República da Música. Uma descarga que poderia ser descrita como «uma valente tareia»! O seu crust, ainda há relativamente pouco tempo, tinha sido tema de conversa no Moita Metal Fest face à intensidade que não fica obstante de sensações que o sufixo core consegue alcançar nas suas diversas formas. O volume dos seus concertos certamente aproxima-se dos níveis máximos, e ao que parece, é esta uma das fórmulas da banda para conseguir criar o impacto das suas composições. Não é música ambiente, é banda-sonora de uma anarquia sem espinhas. A voz gutural do vocalista encaixa como um instrumento, e apesar da distorção natural de tal técnica vocal a mensagem faz-se sentir pelo sentimento em si. Meia-hora de grande intensidade onde «Paradox» foi apresentado a uma casa que aos poucos se compunha. Desfalcados a nível de guitarrista, aproveitaram para anunciar um novo álbum para breve.
Através das redes sociais, os Corpus Christii apelaram ao uso de merchandise da banda, como bandeira orgulhosamente hasteada por parte do público mais sombrio. O seu black metal não é novidade para quem anda nestas andanças, mas para os restantes ficou visível que de facto algo lhes escapou este tempo todo. Eram inúmeros exemplos de fans que aderiram ao chamamento. Apenas comparável ao número de t-shirts alusivas aos Slayer, algo facilmente compreendido pelo luto que atingiu toda a família ligada ao Metal esta semana com o falecimento de Jeff Hanneman.

15 anos de carreira e várias tournées alem fronteiras, sempre com o misticismo satânico como imagem de marca e enredo das suas músicas, os Corpus Christii são autênticos Mayhem portugueses (abriram o concerto de estreia da banda norueguesa em Corroios) e não ficam nada atrás dos restantes ícones nórdicos, inquestionavelmente as grandes referencias do género. O headbanging aumentou exponencialmente e o público, em maior número, aproximava-se cada vez mais do palco, acabando por assumir indirectamente um gosto crescente pelo espetáculo que tinham em palco. A banda, sempre fiel à teatralidade implícita, quer no som, na indumentária (vestes e pinturas sanguinárias) e nas próprias movimentações corporais (especialmente no olhar fatal) não conseguiu deixar de parte a boa disposição que reiterava no espaço. Um concerto inquietante que em tom épico terminou com « All Hail» para jubileu do público frente ao palco.

O público distinto assume-se entre imperiais, e enquanto se fazem os preparativos para o ultimo concerto da noite ( uma cara se distinguia e começo acreditar que faz parte da mobília – Congas dos For the Glory incansável a ajudar as bandas) ouvem-se frases como « não sou fan do género mas gostei bastante deste concerto». Ainda há algum medo em assumir um bom concerto de black metal, mas o próprio vocalista dos CC deixou publicamente a ideia no ar de que acredita que a confusão é o primeiro passo na busca de conhecimento. É por tanto uma vitória. Mais uma neste Lisboa Negra.
Velhos são os trapos. Armados com um Rock’n’Roll longe de cheirar a mofo, entravam os Capitão Fantasma no concerto que reuniu de forma unanime, todos os que marcaram presença na sala.

Estava explicada o porque de um estatuto headliner! Muito do espetáculo está centrado na personagem carismática e inigualável de Jorge Bruto que é um exemplo de energia e de performance. Junte-se o facto de termos um leque de músicos de top em que o blues rock soa apunkalhado o suficiente para resultar numa fórmula perfeita. Temas como «Rock das Caveiras» e «King Machado» são exemplos perfeitos de que a experiência faz a diferença. A máquina está muito bem oleada, e nem por isso está em piloto automático. «Tudo à Estalada» foi talvez o momento mais memorável da noite, onde o carismático vocalista se juntou à plateia num mosh amigável e onde ninguém parou de bater o pézinho.

Há muita falta de crença neste tipo de bandas pelos festivais mainstream. Apesar disso, relembro que os Capitão Fantasma deram um dos primeiros grandes concertos do festival Alive (na altura ainda sem o patrocínio da Optimus, resumindo-se a Oeiras Alive) numa grande tarde onde foram reis na tenda secundária. Infelizmente, o único exemplo que posso arrancar semelhanças será o dos Parkinsons, que também eles deram um concerto fantástico no mesmo espaço ( apesar de muita da audiência esperar algo menos… português por assim dizer, e irem lá parar por engano. O que é certo é que não saíram mais!)

Não faltaram também temas como «Lobisomem», «Soutien Negro», «Cruela» , «Carrasco» e «Fome» num concerto que só pecou pela sede de mais temas clássicos de uma banda que mais do que um icon do rockabilly, é um icon do rock nacional.
A sala podia não estar cheia mas estava composta o suficiente para acreditar que elevando a fasquia, poderemos vir a ter uma nova realidade que só beneficia todos aqueles que não encontram preconceitos na arte de fazer/consumir música no seu estado mais puro - ao vivo.


Texto e vídeos : Tiago Queirós
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